sexta-feira, dezembro 09, 2016

O anjo da guarda de Variações

O António Variações teve mesmo um grande 'anjo da guarda'. A rever, acrescentar, editar a sua biografia, que vai ser relançada para o ano com a chancela da Bertrand, não resisto em partilhar este pequeno trecho sobre os seus tempos de tropa, por Angola.



Em Luanda, Delfim era taxista e vivia no Bairro da Cuca, perto do cinema Aviz. Casara. Foi então que recebeu uma carta com as seguintes notícias: António, seu irmão, perguntava-lhe pela sua saúde e dava-lhe novas da sua vida. Estava em Angola, no Depósito de Adidos, em trânsito para um qualquer teatro de guerra. Queria saber se e quando poderiam encontrar-se, antes de partir de novo:
– Eu não via o António há 14 anos e notei-lhe uma diferença enorme. Ele tinha uma personalidade forte, era muito senhor do seu nariz. Tinha crescido. Though guy – diz Delfim, textualmente, evocando o reencontro com o irmão que deixara menino em Portugal.
Acontece que Delfim era um homem mais poderoso do que se imaginaria. Ele diz, simplesmente, que “tinha várias influências” e que ele e o comandante, o senhor major Camisão, se davam “como irmãos”. O major tinha sido presidente da Câmara em Sá da Bandeira, onde estivera ligado ao Angola Sport Benfica do Lubango, equipa basquetebol, no início dos anos 60. Delfim, que à época andava pelo mato, chegou a fazer mais de uma centena de quilómetros para assistir aos treinos.
-- Agora, ambos em Luanda, ele no Depósito de Adidos, víamo-nos muitas vezes. Pedi para o chamarem e expus-lhe a situação.
Contado assim, parece de uma simplicidade imaculada. Dois amigos a olharem para o mapa da então província ultramarina portuguesa, e, de comum acordo, a decidirem destinos traçando mudanças no papel. Uma troca de nomes, em suma. Na guia de marcha, o nome do quartel e localidade a que o soldado António Joaquim Ribeiro estava adido, foi rasurado.
– O meu irmão estava para ir para Cabinda, onde a guerra estava bem acesa. E nós pusemo-lo em Sá da Bandeira, [actual Lubango], na Província da Huíla.
Meses mais tarde, um telegrama de António, ainda em Sá da Bandeira, dirigido ao seu irmão Delfim, dava conta de nova transferência iminente, para uma das zonas mais problemáticas da guerra colonial, Quitexe, no Huíge. Este foi imediatamente procurar o seu grande amigo e major do Depósito dos Adidos para lhe contar que “o rapaz agora vai para uma das zonas mais perigosas!”
– Vai daí, diz-me o comandante, “onde queres que o ponha agora?” Ah, digo eu, pode ser lá para o Sul. E o meu irmão foi colocado em Vila Roçadas (actual Xangongo). Depois foi para Pereira d’Eça (actual Ondjiva), no Cunene, onde não havia guerra nenhuma. E a seguir em Caconda, onde até formou um conjunto militar – conta Delfim Ribeiro. (Manuela Gonzaga, biografia de António Variações (em progresso), baseada em António Variações Entre Braga e Nova Iorque, Ancora, Lisboa, 2006).


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