terça-feira, setembro 20, 2011

Nós, os homens

não perdemos tempo com essas coisas - disse ele. Estava tão triste que até a roupa que trazia sobre o seu corpo curvado parecia chorar.
- Porquê? - perguntou ela.
- Porque as coisas são como são. Começam, duram o que têm de durar e acabam.
- Mas podemos falar sobre isso, ou não?
- Para quê? Acabou, está acabado. Adeus, e felicidades. Segues a tua vida, eu vou à minha.
Ela estava vermelha de aflição e, provavelmente, de raiva. Uma raiva contida pelo ténue fio da esperança que ele quebrou num ápice:
- Já o meu pai dizia que as coisas, quando quebram, não adianta consertá-las.
- Ai é? Então porque te tornaste técnico de computadores, quando o teu pai, raios o partam, te pediu mil vezes que entrasses para a Carris, onde ele e o pai dele trabalharam toda a vida a picar bilhetes?
Ele encolheu os ombros, agarrado ao medo de ceder à fome que já sentia dela, e ainda a tinha à frente.
- As coisas acabam. Vai à tua vida que eu vou à minha.
- Pois acabam, seu estúpido parvalhão - ela não tinha medo algum de ceder à fúria e à dor - por isso é que comemos todos os dias, e dormimos todos os dias, e temos de refazer tudo, todos os dias.
Ele olhou-a com olhos de fome, e virou-lhe as costas num andar de vagabundo.
Uma separação tão idiota, e não era capaz de voltar atrás.
- Porquê? - perguntei-lhe eu, um dia à conversa, espantada com os cabelos brancos que lhe nasceram de repente.
- Nós homens somos mesmo assim.
Não são nada, e todos sabemos disso. Mas ele não quer ouvir. Também agora já não adianta nada. Um ucraniano que ia a passar, reparou nela e nunca mais a largou até lhe colocar uma aliança de casada no dedo. Consta que são muito felizes.

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