domingo, julho 31, 2011

A mesquita de Tete

Em Portugal, nessa época, as únicas mesquitas de que ouvira falar estavam nas Mil e Uma Noites. Na mesma altura em que, por Moçambique, povos de diversas fés praticavam às claras as suas religiões.

A primeira sensação que recordo da chegada a Tete em 1964, para além do calor que nos fulminava mal se abriam as portas do avião, foi a multiculturalidade da cidade. Uma cidade pequena, efeverescente, mágica. Com um rio escuro e muito largo, o Zambeze, que às vezes parecia feito de lama. Um jardim tropical, quase misterioso, cujos perfumes nos entonteciam. Uma rua das lojas, a transbordar de exotismo kitsh, com todas aquelas lojas de indianos de música em altos berros e uma aluciante profusão de artigos orientais. E o hotel, as esplanadas, o restaurante do Grego, o cinema.
E o colégio/liceu, católico, que acolhia de braços abertos todos os alunos. Fossem católicos,  hindus, muçulmanos ou ateus.
Foi a primeira lição de liberdade que tive, mas na altura esta constatação nem sequer tinha nome. Viver assim tornava-se absolutamente natural.
Um dia, às minhas amigas do colégio juntei uma outra, que já não estudava. Era a mulher mais bela de Tete. Chamava-se Banoo, era filha do chefe da comunidade islâmica, tinha 16 anos e falava várias línguas. Português, árabe, nhungwe, entre outras línguas nativas. Alta, esguia, coberta de jóias, com o sari e o manto de sede leve a esvoaçar à sua volta, deslizava como um cisne moreno sob o calor demencial.
Quando nos cruzámos na rua - vivíamos perto uma da outra - ficava a olhá-la fascinada. Eu, e toda a gente. Ela e as irmãs, eram as primeiras, e as únicas, princesas de contos de fadas que jamais encontrei ao vivo.
Não demorou tempo nenhum em meter conversa com ela. Não demorou tempo nenhum em tornarmo-nos amigas. Em casa dela, corríamos para as arcas de roupa e escolhíamos o sari que eu ia vestir enquanto ali estava. Noites mágicas, um Ramadão inteiro, em que mal o sol se punha, um dos seus moleques aparecia em nossa casa com a sua mensagem:
«Vens?».
E eu ia. Jantávamos em salas de refeições distintas, homens e mulheres. Depois, juntavamo-nos  todos cá fora, no grande pátio com árvores velhas e grandes onde a brisa da noite arrefecia a terra. Bebíamos xarope de rosas, e petiscávamos coisas delicadas, doces ou picantes, que circulavam em bandejas enormes, de latão. E falávamos sem parar.
Saímos de Tete em 1969. Nunca mais a vi, mas tive notícias recentes dela.
O Gafar Bega, outro dos nossos grandes amigos da época, reapareceu há dias e traçou-me o seu percurso. Tem mantido contacto com toda a gente desde sempre. «Só a ti, é que nunca te descobria. Passavas o tempo a mudar de terra, de emprego e de casa!» - disse, o mesmo sorriso maravilhoso de tantos anos antes. Continua por lá, e por cá. Mulher, filhos, netos. Negócios. E muitas solidariedades que não confessa, mas que os amigos comuns me revelaram.
Almoçamos os três, ele, o Jó e eu, ao lado da mesquita de Lisboa. As pontes refazem-se nos afectos, nas memórias, nas palavras.
Deus é grande.

sábado, julho 30, 2011

Mundos virtuais, amores reais

O que é o amor, e onde mora? Ou melhor, como nos escapa? Ou melhor, como é que as redes virtuais vieram baralhar mas também alargar os horizontes dos afectos? Uma grande amiga fez um balanço e chegou à conclusão de que o FB lhe prejudicara grandemente a vida privada. Maravilhosamente dramática, e com grande sentido de humor, declarou que ia morrer para o mundo... da sua página FB. Felizmente já ressuscitou. Outra, contava-me como as presenças mais assíduas e não corpóreas, dos amigos, a têm ajudado a ultrapassar estes tempos brutais em que se recompõe da ausência  insubstituível de um filho. «Preciso do vosso amor, e preciso de estar sozinha. Assim, junto os dois» - disse-me, durante um almoço recente.
Isto gerou um pequeno debate em fórum do FB. Depois recordou-me esta história deliciosa que acabo de publicar em Boas Noticias, Amor e Fantasmas... virtuais.

domingo, julho 24, 2011

Os passageiros do tempo

Às vezes, entristece-me estar de passagem. Outras, sinto um alívio imenso por tudo ser passageiro. As saudades que carrego não são deste chão que piso. Nunca foram.

sábado, julho 16, 2011

Os telhados de Lisboa

Perguntei se podia, disseram que sim. Tudo por gestos. O zoom aproximou-os. Adoro os telhados de Lisboa.

terça-feira, julho 12, 2011

A realidade é real ou é uma casa muito escura?

- Eu sou real e tu existes?
- Claro que sim, disse ele, estendendo-lhe os braços.
Ela encostou a cara à dele, e perguntou-lhe muito baixo:
- Consegues provar-me isso?
- De muitas maneiras, amor. A começar, provando-te. Ás dentadinhas.
Ela sacudiu-o. Parecia irritada.
- E aquilo que tu me disseste da Casa muito Escura onde tudo o que vemos, sentimos, cheiramos, tocamos, intuimos, adivinhamos, é processado para parecer ser  o que achamos que parece que é?
- Ah!, isso. Bom, a realidade é muitas coisas, amor. Uma delas, é a fábrica onde processamos impulsos electricos e energéticos dando-lhes a forma, a aparência, atribuindo-lhe o conteúdo emocional...
- Sim, sim, já repetiste isso vezes sem conta. Mas essa Casa, então...
- Chama-se cortex, amor. É a sede da coisa.
- Que horror - ela estava quase a chorar - estás aqui, estás a dizer que somos todos fantasmas e que a realidade é um jogo virtual a três dimensões...
- Nunca te poderia dizer isso, amor, porque são muito mais dimensões do que três! É holográfico. E não, não somos um jogo cibernético, se fossemos éramos ainda feitos de zeros e de uns e nós já ultrapassámos essa fase.
- Jura.
- Juro. Isso, fomos nós em outras reencarnações. Lembras-te?
- Oh, não! Tu enlouqueces-me!
- É normal que não te lembres. Foi muito traumático. Tu tinhas sempre que me matar, e eu tinha sempre que fugir de ti de nível para nível. Não tinhamos opção. Safamo-nos desse circulo vicioso porque entupimos e violámos todas as regras da cibernética graças à bondade ou à estupidez do jogador, ainda não consegui descobrir. Mas agora estamos aqui e aqui é já plurireal.
- Numa Casa muito Escura.
- Isso mesmo, amor da minha vida.

segunda-feira, julho 11, 2011

São João do Porto, Festa dos Tabuleiros, idas à praia. Tudo isto é crise??!!

Todos os dias, em todos os telejornais, o vocábulo crise é usado até à nausea, a propósito de tudo e de nada. De forma ofensiva, abusiva e imbecil. Aqueles jornalistas são MESMO obrigadas/os a fazer esta figura?? E os seus «legitimos superiores» papam estes produtos e devolvem-nos em horário nobre como se fosse normal e decente? A propósito DE TUDO TUDO TUDO e mais um par de botas?
O estacionamento, as deslocações, os aumentos nas portagens, a fruta que se vende à beira da estrada, o festival da canção ou de cinema, ou a ida a Fátima a pé... o São Jão do Porto, as idas ao Algarve...
Mas o pior é mesmo a forma como se encanram coisas há muito tempo implantadas em todos os paises europeus onde, por exemplo, o carro aqui ainda omnipresente está a ser substituido por outras formas de mobilidade, com vantagens para todos.

Exemplos de tesourinhos deprimentes:
Um sol maravilhoso, praias excelentes, autocarros estupendos com ar condicionado a levarem as pessoas à beira mar. Um mar soberbo. Em qualquer outro país, seria o paraíso.
Perguntas dos jornalistas:
- Anda de autocarro por causa da crise? Se pudesse vir de carro, trazia o seu? Ahhhh, então a crise não a/o deixa vir no seu próprio automovel? Ahh, e antes da crise vinha?Ooohhh, então e o bilhete do autocarro aumentou? Acha que o Estado devia pagar estas deslocaçoes das pessoas? Ou as Câmaras? Ooohhhh. E não lhe custa pagar mais para vir à praia assim com o autocarro mais caro?Ahhhh, e leva a comida para a praia? Ooohh, nao há dinheiro para ir ao restaurante? Hummm, então é a crise? Oooh.... E o que traz na lancheira? Humm....
Festa dos Tabuleiros, uma das manifestaçoes mais arcaicas e mais magnificas de uma tradiçao porfundamente enraizada. Um espectáculo deslumbrante que mereceria comentadores à altura de enquadrar esta riqueza patrimonial. Que nada!! Aqui vai disto:
- Entáo e apesar da crise, está aqui a ver a festa? Entao veio de longe/de perto/ é de cá e a crise influenciou a festa deste ano? E vai ao restaurante ou trouxe sandocha por causa da crise? Ahhhh, e antes ia, e o que pensa da crise e dos tabuleiros? Acho que se reflecte?
São João no Porto, um acontecimento nacional incrivel, mais um dos multiplos motivos que coloca a Invicta nos roteiros internacionais:
Ataques verbais dos jornalistas:
- Entao esta aqui para se divertir apesar da crise? E vai comer qualquer coisinha? Ahhh, então em vez de febras e sardinhas fica-se pela fartura? É a crise, certo? E come uma ou duas? Ah, pois que pesa no bolso, certo? A crise, pois. E sente muito? E a crise mesmo assim permite-lhe estar na fila das bifanas? Ahhh, vai comer bifanas!! Mas sente a crise, certo? E o senhor, o restaurante vendeu muitas sardinhas? A crise nao deixa não e?? Ah, pois a crise!
Uma festa MARAVILHOSA, toda a gente a dançar, a saltar, a rir, e o massacre das perguntas sempre a levar para baixo. Sempre a pôr o dedo na puta da ferida.
Que vergonha, meu deus.
Portagens na ponte 25 de Abril em Agosto:
- Ooh, então agora quanto é que vai pagar a mais para ir para  praia? Oooh, acha bem? Então agora por causa da crise tem de desembolsar mais este dinheirito mas vai à praia mesmo assim? Oooh,, hummm, haaaaa, a crise instala-se, certo? O que acha deste aumento? Está de acordo? Pois sente nao sente, ahhh, é a crise.

O que é feito da memória das gentes?
Do tempo em que a praia era um luxo de ricos e férias grandes era uma excentricidade só permitida aos meninos e às meninas que estudavam? O que, depois da escolaridade obrigatória, 4ª classe, excluia quase toda a gente.  Já se esqueceram que lancheiras para a praia, levava toda a gente? Perguntem aos pais ou aos avós. E não fazia mal nenhum comer pão com marmelada ou queijo em vez de bolicaus e outras porcarias. Ir ao restaurante, era uma raridade. Há muito tempo? Bom, há quarenta anos atrás ainda não e Parque Jurássico.
Será que estão a brincar connosco ou é mesmo institucional esta deprimente falta de horizontes?
Que vergonha meu deus.

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segunda-feira, julho 04, 2011

Apoiando o PAN

Fi-lo durante as últimas eleições legislativas e foi a primeira vez que apoiei um partido político. Os motivos aqui vão, no link da página. Para que conste e porque este é um compromisso de corpo e alma que não se esgota em campanhas e calendários eleitorais.
http://www.partidoanimaisnatureza.com/partido-pelos-animais-e-pela-natureza/250-manuela-gonzaga-apoia

Do Amor

II
conheço a tua ausência, os meus passos cegos, a lua triste
e as manhãs escavadas no labirinto
do pensamento em círculos a desenterrar as mesmas memórias
 sobressaltadas, incandescentes
e ferozes
e a compô-las como uma manta de retalhos absurdos
para me esconder do frio e da fome
de ti