quinta-feira, outubro 30, 2008

Mon oncle

Foi-se embora, ontem. Saíu de casa, silenciosa e tranquilamente, de manhã cedo.
Deixa salas cheia de livros, música, fotografias, quadros, baixelas de prata, móveis escuros e móveis claro. As coisas que as casas acumulam. Memórias. Trabalhos, académicos e outros. Poemas. Um quarto com muitos computadores, que adorava montar, desmontar e programar. Pilhas de Frankfurter Allgemeine, que recebia por assinatura desde sempre, e anotava, e que o ajudavam na construção de um gigantesco puzzle mental sobre o estado do mundo e seu porvir.
Deixa o silêncio da sua ausência e uma escuridão. Nunca se deitava antes das oito da manhã. Dormia pouco mais de cinco horas: das oito, nove, ou dez da manhã até à uma, duas da tarde. A luz do escritório funcionava como farol. Enquanto estivesse acesa, podiam bater-lhe à porta. Fossem que horas fossem. A todos dizia o mesmo: «se vieram, são muito bem vindos, se não aparecerem, não fazem cá falta nenhuma».
Deixa um corpo, de oitenta e muitos anos, que se portou muitissimo bem, tendo em vista que, desde há uns cinco anos, cada dia, cada hora de vida, era «um bónus». O cancro espalhara-se paulatinamente por todo o lado, e ele – como médico –, sabia bem os estragos que lhe estava a causar. Chamava-lhe o «meu parceiro». Recusou operações e quimioterapias. Nunca teve dores. Nunca deixou fazer a vida de sempre, com o sentimento de uma imensa e calorosa gratidão. Não tinha medo da Viagem. «Acredito n’Ele, e acho que a Vida não acaba por aqui. Se não for assim, ficarei muito decepcionado».
Deixa uma pequena multidão de amigos que o adoravam.
Um filho onde gostava de encontrar, como dizia, o melhor de si próprio. Dois netos que não vão ter o privilégio de privar com ele.
Para mim, foi uma ponte de luz que ajudou a ligar algumas zonas escuras e densas da minha geografia de infância, onde afectos conservados a fogo lento e memórias embaciadas, pediam chão, ar e um pouco de água.
Nunca cheguei a perceber bem o que fui para ele.
Meu tio, Rogério Gonzaga.

domingo, outubro 26, 2008

My Space, Hi5, Orkut and so on

We’re but little neurons in our huge collective mind, with souls of our owns. For the best or for the worst, this is the meaning of our sparkling connections. So keep on dreaming to wake up.

sexta-feira, outubro 17, 2008

Porque se escrevem livros? Take two

Só isso? Porque «tem de ser»? Ele não percebeu. Perguntou-me pela paixão, pelo envolvimento, pela tenacidade com que me agarro à escrita. Pela alegria com que oculto, ou revelo os meus projectos literários, à medida que crescem. Onde raio estavam esses estados de alma na frase seca e concisa do «tem de ser»? E eu a pensar que era tudo tão claro. Só me ocorre acrescentar «I was drawn that way». A escrita é a minha luz. O meu motor interno. Por isso, escrevo porque tem de ser. Dito de outra forma, porque é que respiramos?
Jessica Rabbit's quote & foto:
http://www.flickr.com/photos/florecita/343196742/

terça-feira, outubro 14, 2008

Porque se escrevem livros?


Uma jornalista perguntou-me:
«porque escreve?»
Respondi: «porque tem de ser».
Podia acrescentar o que outro escritor disse, não me lembro quem, quando, onde:
«escrevo para me ver livre dos livros que estou a escrever».
A acabar a biografia da Maria Adelaide, penso no dia, na hora, no momento, em que me vejo livre desta obra. Ando com ela «às costas», na cabeça, na barriga, tropeço nela pela casa toda, comungamos o mesmo caos de papéis, cartas, documentos, livros, e depoimentos transcritos que consulto e cito, vejo e revejo. Estou empanturrada de fontes. Digestão intensa. Termo de gravidez. Trabalho de parto.
Há uma eternidade atrás -- três semanas? -- quando ainda estava no Lago Silencioso, a Andrea disse-me: «Quando chegaste aqui, a tua cabeça veio à frente. E estava muito maior do que o corpo». Se ela me visse agora. Se ela «nos»visse agora.




quarta-feira, outubro 01, 2008

O céu de Lisboa

Eu amo esta cidade. Eu amo esta rua. Das janelas, vejo o dia trocar de vez com a noite. A noite sobe devagar para cima dos telhados. Estou em casa.
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