sábado, fevereiro 26, 2011

Alice do Porto, Leonor de Lisboa.


Detestaram-se desde o primeiro momento em que se viram.
A mais jovem, loira, pele muito branca, na fotografia ao alto, era, na altura, a mais velha. Chamava-se Alice, agora já não está cá. A outra, uma morena esplêndida, conheceu-a mais ou menos na época em que a fotografia a documenta. Chama-se Leonor e tem 92 anos. Em 1949, quando saiu do comboio em Campanhã, vinda de Lisboa, deu um beijo ao noivo e perguntou-lhe ao ouvido: "cumprimento a tua mãe com um aperto de mão?".
Ele espantou-se, "que tolice, com um beijo ora essa".
Nunca conseguirei ouvir as duas partes, porque Alice, a minha avó paterna, jamais admitiria falar-me, a mim ou a qualquer neto, sobre estes ódios de família. A mãe, que nem lhe teria dado um beijo se o meu pai não a empurasse pelas costas, diz sempre a mesma coisa:
- Oh, ela era tão feia, a tua avó.
Respondo-lhe:
- Não acredito! A mãe que foi amiga da mulher mais feia do mundo, uma senhora a quem o queixo crescia todos os meses e que era preciso operar repetidamente?
Encolhe os ombros:
- Oh, essa querida amiga! Era uma mulher cultíssima e cheia de doçura. A gente esquecia-se do resto.
- As outras pessoas a quem pergunto, dizem que a avó era uma pessoa maravilhosa.
Pensa um pouco, as memórias, mesmo as mais antigas, estão amortalhadas numa uma névoa dificil de romper.
- Pois seria, mas em mim nunca viu senão a mulher que chegou de Lisboa e lhe roubou o filho.
O meu tio, antes de partir, acrescentou-me este dado novo:
- Ainda por cima, o Carlos, teu pai, esteve praticamente noivo de uma menina do Porto. O pai dela era escritor, as famílias conheciam-se e estimavam-se muito. Foi uma decepção para quase todos, esta mudança de planos. E a tua mãe fechou-se.
Seria?
«Odiei viver ali, desde o primeiro momento. O avô era um santo, mas a tua avó... bom, só tive alguma paz quando recomeçei a dar aulas, no Carolina. E só comecei a ser feliz quando fomos para África.»
Corações rasgados desde o primeiro momento, foi assim que tudo se passou.
Mas eu acho que os motivos foram outros, mais remotos e misteriosos.
Muito mais misteriosos.
Ninguém ama ou odeia tanto à primeira vista, se não se conhecer já de outros lados.
Mas isso sou eu a pensar.

sexta-feira, fevereiro 25, 2011

Entrevista de Manuela Gonzaga à Livraria Ideal TVI24

Peço a compreensao dos amigos no FB para para a eventual duplicação da mensagem, que vai  reaparecer no meu mural assim que publicar este post no blogue. Ignorem, pois já me mimaram demais hoje.

terça-feira, fevereiro 22, 2011

A menina que detestava o Carnaval

Sentia-se tão parva com aqueles disfarçes, mas todos os anos instiam em mascará-la. Depois era o suplício das festas em casa de amigos que raramente se viam, e ela sempre a sentir-se muito mais crescida do que a gente pequena da sua idade. Depois o circo, ela que odiava circo, detestava palhaços e tinha horror aos animais escravizados que faziam piruetas. Finalmente, ficava furiosa com as fotografias que insistiam em tirar-lhe para "mais tarde recordar!". Esta, em Lisboa tem data de 1929.
E ela, que se recorda de muito pouco, reconhece a criança de nove anos  vestida de holandesa que não era, e ri-se: "é verdade, estava danada." Tanto que escreveu mais tarde no verso da imagem isso mesmo. Há tanto tanto tempo. "Como o tempo passou!" - exclama, finalmente em paz com a miúda mascarada. Herdei estas aversões dela. Será que estas coisas passam nos genes? Afinal sou sua filha. E a minha filha sente exactamente o mesmo. Carnaval não é connosco.  
PS: oh mãe, mas Carnaval nunca calha em Junho! Pois não. Mas gostaram tanto de me ver com este trajo que resolveram repetir, mais tarde, a foto em estúdio.

segunda-feira, fevereiro 21, 2011

Um grande amor não morre. Maria Adelaide Coelho na TVI

Desta vez foi o Cartaz das Artes, da TVI a recordar a história inesquecível de Maria Adelaide Coelho da Cunha, a mulher que deixou tudo por amor, e a quem a imprensa permitiu recuperar a liberdade que a família, os psiquiatras e a lei teimavam em retirar.

segunda-feira, fevereiro 14, 2011

Primas donas do mundo árabe

"As mil e uma noites de luxo" é o título de um artigo sobre "as rainhas e as primeiras damas do mundo árabe" que com a sua "beleza, ostentação" e protagonismo estão a provocar a "ira dos seus povos que vivem na pobreza". O texto, profusamente ilustrado como seria de esperar, é de António Rodrigues, e está na Flash nº 403, de 14 de Fevereiro, na rubrica "mundo investigação".
Conheço aquelas caras todas. Rania, Leila, Asma, Susana. Jordânia, Tunísia, Síria, Egipto. Rainhas umas, mulheres de presidente, outras. São deusas. São omnipresentes. Pavoneiam a felicidade olímpica e os seus sorrisos inextinguíveis pelo vasto territorio  da comunicação social global. Lindas, elegantes, riquíssimas. Têm, todas elas, no mundo a sua casa. Aliás, têm múltiplas casas no mundo todo. Também têm outras coisas em comum. Os maridos são os patrões de países onde a gente comum é muitíssimo desgraçada e onde a juventude sufoca na ausência de horizontesn e na erradicação da liberdade.
Porque estas belas criaturas pontificam em países onde os regimes políticos, ditatoriais, são apoiado por um poder militar esmagador. Pode-se morrer de fome pelas ruas destes "oásis", apodrecer nas cadeias por contestar a injustiça, mas o último grito em matéria de armamento existe com abundância obscena pelos quartéis.
É curioso, mas de certa forma gratificante, encontrar numa revista como a Flash um texto destes, abordando aspectos que seriam de esperar noutro tipo de publicação que não numa revista cor-de-rosa. Por exemplo: a quanto ascendem as fortunas destas primeiras damas? Quem eram, antes, estas criaturas? Onde gastam o dinheiro todo que têm? Onde o guardam? E ainda, como conseguiram a ultrajante riqueza que é fruto de trabalho algum excepto o de existir, porque os vasos comunicantes em países ditatoriais e ditos de terceiro-mundo (que existem também no primeiro mundo mas privilegiam mais assessores e gestores políticos), funcionam tipo um aspirador cirúrgico que suga, da base para o topo da pirâmide, quase toda a riqueza do produto interno bruto.
Como diz o André, as revistas light quando uma pessoa se aplica, têm muito que se lhes diga.

Nota: admito perfeitamente que este tipo de reportagem tenha sido matéria de muitos outros jornais. Só estou a dizer que não vi, mas também não sou grande leitora de muitos jornais actualmente.

sexta-feira, fevereiro 11, 2011

O grande amor não é para todos

 a todas e todos os que amo, mas neste momento particular, muito particularmente à B.S e ao A.C.



Circula no cibermundo de língua portuguesa, entre outros, um texto do Miguel Esteves Cardoso sobre o amor. Prosa antiga, sem idade. Excelente, como quase tudo o que ele põe em palavra escrita. A mensagem traz uma afirmação interrogativa e amarga cravada no cerne: já não há amores "como antigamente". O que terá acontecido? Nada de muito particular, penso eu. Conformismo e indiferença sufocam-no à nascença. Morre, antes de fazer todos os estragos que vem fazer nas nossas vidas. É demasiado deslumbrante e assustador para ser deixado à solta. Na verdade, é impossível amar sem abrir o coração e rasgar as veias e navegar a pano solto nos mares incertos do destino. Amar assim é o próprio destino.
Acrescento que nunca houve grandes amores ao desbarato. Digo, amores incondicionais, que as tempestades reforçam, as contrariedades confirmam e os obstáculo fortalecem. Amores para sempre. Amores imortais, que, quando terminam, se transfiguram e sobem ao céu de corpo e alma.
Daí a nostalgia de uma idade de ouro em que, por amor, erámos, todos, capazes de ousar sem limites. 
Mas  esse esplendor não bate à porta de qualquer um. Ou melhor, bate mas não é reconhecido. É a velha história do deus disfarçado que se passeia pelo mundo da aparência, ignorado por quase todos, porque só os puros de coração o reconhecem, não enquanto deus, mas como irmão de fado. Esse hermes desfigurado e oculto, que estende a mão ou pede pousada, encontra, quase sempre, os olhos frios e os corações fechados ao seu encanto.  
Se calhar, o amor bate à porta de todos. Sim. Em todas as épocas da vida. Quantos são capazes de o reconhecer, eis a questão. Quantos sufocam emoções e sentimentos em troca de confortos aparentes e rotinas inabaláveis, eis o obstáculo.
Não, decididamente, não. O grande amor, difícil e cheio de contrariedades, não é para todos. O mundo seria tão diferente se o fosse, que até dá vertigens imaginá-lo.


sábado, fevereiro 05, 2011

André e o Segredo dos Labirintos

Com quatro anos no ar «Livros Com Rum», da Rádio Universidade do Minho, é "um programa de informação e reflexão sobre a actualidade literária nacional e internacional, com entrevistas de críticos, autores, especialistas de literatura, mediadores da leitura (e outros intervenientes ligados aos temas abordados)". A sua elaboração e apresentação tem as assinaturas de António Ferreira e Sérgio Xavier, que demarcam, em estilo inimitável, um espaço de diálogo cultural de primeira água.
O programa, na sua primeira edição do ano a 6 de Janeiro, lançou, nas palavras dos seus autores/apresentadores, "um olhar sobre alguma da melhor produção literária de 2010".
Escolhas que se assumem claramente, reflectindo não apenas o gosto e os critérios de selecção pessoal dos autores, mas a obrigatoria leitura de TODAS as obras, bem como muitas outras, de forma a concluir pelo resultado que se segue:

Infantil
Rafael e o Segredo de Leonor - Anik Le Ray, Ilust. Rébecca Dautremer (Educação Nacional)
As Letras de Números Vestidas - João Pedro Messeder, Ilust. Marta Madureira (Trampolim)
O Reino Cintilante - Vergílio Alberto Vieira, Ilust. Elsa Lé (Trampolim)
Arco, Barco, Berço, Verso - José Carlos de Vasconcelos, Ilust. Raquel Pinheiro (Gradiva)
O Burro Eleutério e o Lobo Selvagem – Pedro Bessa; Ilust. Cláudia Rocha (Educação Nacional)

Juvenil
Colecção Ciência Horrível - Nick Arnold (Europa-América)
Cornos - Joe Hill (Gailivro)
O Apelo da Lua - Patricia Briggs (Saída de Emergência)
Duna - Frank Herbert (Saída de Emergência)
André e o Segredo dos Labirintos - Manuela Gonzaga (Oficina do Livro).

Policial
Pedras Ensanguentadas - Donna Leon (Planeta)
O Toque da Morte - Stephen Booth (Europa-América)
A Floresta dos Espíritos - Jean-Christophe Grangé (Guerra & Paz)
Confia em Mim - Jeff Abbott (Civilização)
Osso a Osso - Carrol O' Connel (Sextante)

Poesia
Alfabeto Adiado - José Ricardo Nunes (Deriva)
Poema Sujo - Ferreira Gullar (Ulisseia)
Inversos (1990 - 2010) - Ana Luísa Amaral (D. Quixote)
Estranhas Criaturas - Henrique Manuel Bento Fialho (Deriva)
Dedicácias – Jorge de Sena (Guerra & Paz)

Ensaio
A Grande Separação. Religião, Política e o Ocidente Moderno - Mark Lilla (Gradiva)
Um Tratado Sobre os Nossos Actuais Descontentamentos - Tony Judt (Edições 70)
A Sociedade Medieval Portuguesa - A. H. Oliveira Marques (Esfera dos Livros)
Einstein & Oppenheimer. O Significado do Génio – Silvan Schweber (Bizâncio)
A Mobilização Global seguido de O Estado-Guerra e Outros Textos - Santiago López-Petit (Deriva)

Literatura Portuguesa
O Passado que Seremos - Inês Botelho (Porto Editora)
A Fábrica da Noite - Cláudia Clemente (Ulisseia)
A Casa-Comboio – Raquel Ochoa (Gradiva)
A Janela do Cardeal - Luís Miguel Novais (Planeta)
Mizé. Antes Galdéria do que Normal e Remediada - Ricardo Adolfo (Objectiva)

Literatura Estrangeira
Um Instante ao Vento – André Brink (Camões & Companhia)
O Viajante do Século - Andrés Neuman (Alfaguara)
Os Flamingos Perdidos de Bombaim - Siddharth Dhanvant Shanghvi (Civilização)
Verão – J. M. Coetzee (D. Quixote)
O Segredo dos Seus Olhos – Eduardo Sacheri (Alfaguara)

contracapa de André e o Segredo dos Labirintos