domingo, setembro 28, 2014

É a memória um jogo?

Mais um trecho do próximo livro. MG.

«Sou de um tempo em que fadas e anjos eram quase da mesma família. Sou de um tempo em que, entre fadas e anjos, se estendia uma muralha de fogo e um redemoinho de anátemas. Sou do tempo em que fadas e anjos jaziam, lado a lado num sepulcrário, o mesmo, atulhado de fantasias quebradas e arrumadas a eito. Podíamos visitá-los como quem percorre um museu, ou a cave de um precioso teatro barroco, atulhada de adereços inúteis, sem uma única referência de como, quando e para quê foram usados. Sou de um tempo em que nem se falava de fadas, nem de anjos. Sou de um tempo em que inventámos uns e outros, à medida que eles próprios nos inventavam também.

É a memória um jogo?

O meu touro abriu as asas. Céus, como ele ri!»
John Anster Fitzgerald (1823? – 1906) -
Fairies Looking Through an Open Window
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 [Manuela Gonzaga, ainda sem titulo, a publicar.]

segunda-feira, setembro 22, 2014

Esta lua cheia de enganos

Há pouco tempo, dois meses talvez, comecei a colocar trechos de um próximo livro no meu mural do facebook. Tem sido uma experiência curiosa. Deslocados de contexto, estes pedaços de prosa poética se assim lhe quisermos chamar e vários o têm feito, vivem por si, sem dar pistas. Ou melhor, fornecendo uma multiplicidade de pistas. Já se avançou em sugestões de título, palpites sobre o conteúdo no seu todo, e até sob o meu próprio estado de saúde físico, psicológico.

E de repente, muitas pessoas reapareceram. Em mensagens privadas, em recados directos, ou mesmo por indirectas vias a inquirir sobre o meu estado:

«Mas tu estás bem? Mas ela está bem?»
Obrigada!!! Estou, sim. A narradora do meu próximo livro, porém, está a passar por um processo... cosmogónico. Transcendente. Perceberão tudo, quando soltar o título. E mais ainda, quando soltar o texto. Entretanto, continuarei a deixar pistas neste caminho das pedras feito de palavras.

 
Esta lua cheia de enganos

«Mas isto remete-me à questão inicial. Que nudez é a minha, agora? Creio que é uma mistura de ambos os despojamentos. Consentido e imposto. Assumo a última fronteira. Agora, sou só eu e a minha pele, sabendo que sou muito mais do que a epiderme marcada e pálida que me cobre ossos e músculos, e veias e artérias e órgãos. Como quase sempre, é preciso fazer escolhas. Sem um arrimo que me sustente, perco-me nas margens do lago. De modo que sou eu ou o meu trajar: e que importam os trajes se o corpo falece?
Segura bem nessa corda, querido. Se a soltares, perco-me. Se a deixares quebrar, perco-me. Ainda me ouves? Eu já deixei de te ouvir. O coaxar das rãs, à minha volta, é ensurdecedor. E o medo é grande. O medo e o fascínio. Há uma beleza terrível neste lugar. Ouves o ruído das minhas sandálias a caírem na água parada, uma após a outra? Fizeram um semicírculo no ar. Duas pequenas setas brancas com reflexos de ouro, recortadas fugazmente no negrume do céu estrelado, à luz desta lua cheia de enganos.
Ai, mas tão bela.»
Manuela Gonzaga, em ????, a publicar.

domingo, setembro 21, 2014

Al Berto & João

Uma fotografia, legendada, evidentemente, trouxe ao de cima histórias e vidas do tempo da nossa vida em Sines, quando ainda se chegava ali de comboio. E foi assim que o Al Berto e o João do Ó estiveram por cá. E todos juntos, fomos até ao Palácio Pidwell. jardim que foi de tantas alegrias e tanto disparate e tanto criar no alimentar de uma infinidade de sonhos.


Estação de caminho-de-ferro de Sines

Obrigada, Vicente Alves do Ó pelas horas que passaram a correr. Outras virão. Com a mesma luz abençoada. E tens razão, o quanto aqueles nossos tão queridos dois, Al Berto e João do Ó, se devem ter rido com a nossa conversa cá em baixo.

E tudo começou por causa de uma fotografia. Desta fotografia.

sexta-feira, setembro 05, 2014

Moçambique - Do império tardio e da guerra colonial

É com a maior alegria que vou colhendo apreciações ao meu trabalho nos mais diversos circuitos.Neste caso, destaco uma recensão ao meu último livro (com 5 estrelas), em Goodreads, assinada por Rui Gomes Coelho, historiador,  a fazer doutoramento em arqueologia na Universidade de  Binghamton, USA.

«Um olhar novo»

'Moçambique' de Manuela Gonzaga corresponde a uma vaga muito recente de criadores que procuram lançar um novo olhar sobre o passado colonial português mais recente, e sobre o processo da descolonização que viveram. É um olhar novo porque não se trata apenas da realização de "memórias", vai muito além disso: é uma janela aberta sobre as contradições do autor que reflete no presente sobre uma época vivida em circunstancias sociais e ideológicas muito diferentes. É essa tensão que se revela em 'Moçambique' como algo de que a autora parece ter plena consciência, jogando tanto com as suas memórias como com a análise histórica do contexto que narra. Neste sentido, o livro não interessa apenas aos que viveram o 'Moçambique' do império tardio e da guerra colonial; é um livro que valerá a todos; desde historiadores que procuram trilhar formas de escrita mais fluida até ao leitor curioso pelo passado português mais recente e amante de páginas extraordinariamente bem escritas.»