segunda-feira, março 29, 2010

A próxima aventura do André

Estava com saudades deste meu pequeno grande herói. Mas não estava nada à espera do trabalhão que as suas novas peripécias me estão a dar. Tudo começa em casa de uma bisavó, em Guimarães, onde os três miudos vão passar férias grandes.
Casa velha, ainda mais velha do que a velhissima antepassada. Cheia de histórias que a memória de Vicência agiganta com detalhes. Fantasmas passam entre aquelas paredes e ela sabe quem são.
Mas a aventura maior, essa que me está a dar muito que fazer, começa com um fantástico trambulhao no chão escorregadio que circunda o grande poço de rega, em granito, que funciona como piscina, sobretudo para os dois rapazes.
A partir daí, André viaja.
Nem sei ainda onde vamos parar os dois...
Mas temos andado um bom pedaço juntos.

domingo, março 21, 2010

Vamos Limpar Portugal

Sob esta designação, estamos perante uma das iniciatias mais extraordinárias que emergiu de um punhado de gente de boa vontade, inteligência e acção criadora. O projecto limpar Portugal surgiu de uma ideia oriunda da Estónia e foi levada a sério por um grupo de amigos - Nuno Mendes, Paulo Torres e Rui Marinho -, que decidiu fazer o mesmo em Portugal. Curiosamente, nenhum deles pertencia a qualquer associação ecologista.
Cem mil pessoas, de norte a sul do país, aderiram. E no dia 20 de Março a iniciativa, que cresceu de forma avassaladora e exponencial, varreu como uma onda lixeiras clandestinas, porcaria a eito. Empresas, politicos, associações diversas, escolas, o próprio exército!, ou muito simplesmente, a sociedade civil unida neste abraço, organizaram-se a meteram mão à obra.
E que obra! Num balanço final, os voluntários -- de todas as idades e das mais diversos extractos conómicos - tiraram qualquer coisa como 50 mil toneladas de lixo dos locais mais improváveis aos mais visiveis.

Definidas na reunião da Lousã, as suas linhas orientadoras são muito simples:
«1) O Projecto LimparPortugal tem como objectivo limpar as lixeiras ilegais existentes no espaço florestal de Portugal no dia 20 de Março de 2010.
2) O Projecto LimparPortugal é um movimento cívico de pessoas em regime de voluntariado.
3) O Projecto LimparPortugal não aceita doações em dinheiro.
4) O Projecto LimparPortugal aceita e agradece doações de bens e serviços que possam contribuir para a prossecussão do seu objectivo (ex: luvas, sacos de lixo, disponibilização de transportes e/ou máquinas de remoção, etc..).
5) Como única contrapartida, o Projecto LimparPortugal permitirá a todas as pessoas e instituições que contribuam para o objectivo do mesmo, a utilização do logotipo do Projecto LimparPortugal na sua comunicação institucional, com a indicação de "Apoia o Projecto LimparPortugal".

Deixamos aqui links para seguir o Movimento, aderir a ele se quiser, ou simplesmete congratular-se pelas suas realizações:
http://www.limparportugal.org/index.php?option=com_content&view=article&id=51&Itemid=59

Até 2013 indústrias deverão deixar de comprar carvão vegetal de mata nativa

Do mundo verde, boas notícias.
Aos que dizem «é pouco», ou «já vem tarde», ou pior ainda «não adianta porque não vai seguir ar a frente», respondo:
- Antes uma utopia que nos guie e inspire que pesadelos que nos sufocam.
- Todas as realidades, até a nossa, começaram por ser sonho.
- Pior do que nada fazer é tentar reprimir, com maus pensamentos, o trabalho de quem faz por bem.
- A realidade é, acima de tudo, aquilo que focarmos como tal.

Até 2013 indústrias deverão deixar de comprar carvão vegetal de mata nativa

quarta-feira, março 17, 2010

No Hospital Conde de Ferreira, Porto










Talvez a viagem mais estranha que alguma vez fiz por dentro do Porto. Uma visita ao Hospital Conde de Ferreira, tendo por guia o seu Director Clínico, Adrián Gramary acompanhado de José Romero Arós (Médico Psiquiatra) e Maria da Luz Saraiva (Responsável da área Museológica do Hospital). Entregue de novo à Misericórdia, já há alguns anos, a Insituição, a cumprir o seu 127º aniversário, está de parabéns pelas profundas remodulações. Mais visiveis umas, menos evidentes outras.
E para que a memória se não perca, conservam-se e também se expõem peças de todo um acervo preciosíssimo. O terrível panóptico (só existe, parece, outro do género na Alemanha), onde Maria Adelaide passou os primeiros dias de internamento, é hoje um núcleo museológico que recebe visitas assíduas, sobretudo de grupos de alunos dos mais diversos graus de escolaridade. Mas há muito mais. Cartas, livros de actas, fotografias, registos de entradas, e todo um acervo riquíssimo de documentação, bem como artefactos que atestam a memória de épocas em que a Psiquiaria, em Portugal e no mundo, dava os seus primeiros passos. Cuidadosamente conservados, e alguns expostos.
Impossivel descrever tudo o que vi, e ouvi ao longo das duas horas e meia da visita.
Presente, quase sempre, a memória de Adelaide. Foi pelas suas palavras que ali entrei pela primeira vez há uns dois anos. E foi, de novo, através dos seu testemunho que confrontei espaços e ambientes. É-me particularmente comovente registar que a sua odiseia voltará a ser recordada. Dentro daquelas paredes. Em Julho próximo.
Uma luz nova inunda os pavilhões enormes e austeros, reajustados aos novos tempos.
As prisões, as grades, o suplício, existem sim. Nos lugares circulares da mente. Fora, é o olhar e a dedicação de quem procura minorar ou circunscrever a invisível dor.
Faz toda a diferença.

sábado, março 06, 2010

Estou no Porto

As cidades são como as pessoas. Abrem-nos o coração e as portas, fazendo sentir como somos amados, ou fecham-se e deixam-nos à solta num labirinto de ruas perdidas, onde a memória joga às escondidas connosco, estendendo-nos as pequenas armadilhas da saudade.
Às vezes, as cidades são gentis e distantes. Fraqueiam-nos, simplesmente, a entrada, como se fossemos técnicos que vêm conferir os contadores da água, da luz e do gaz. Com gentileza breve: faz o que tens a fazer, e pira-te para voltar para o meu programa de televisão, para o meu livro, para a conversa que interrompi para te abrir a porta. Obrigada e até para o mês que vem.
Há cidades sedutoras como prostitutas muito caras. Deixam-nos andar pelo seu corpo deslumbrante,nas voltas de turista ávido, procurando lembrar-nos a cada momento como seria tudo muito mais maravilhoso e encantador se tivessemos a fortuna bastante para franquearmos os seus palácios remotos e os seus jardins secretos.
Em todo o caso, não há encontros fortuitos, casuais ou inocentes, com nenhuma cidade onde possamos ir ou onde já fomos. Mesmo de passagem. As cidades marcam-nos. Tocam-nos muito para além do que possamos sentir ou imaginar.
Às vezes gosto de pensar que nós também as tocamos.

Estou no Porto. Não conheço esta cidade e, porém, pertenço, de um modo indizível, a este corpo esplêndido de granito e brumas, águas e luz dourada. Há farrapos de mim presos em calçadas íngremes, em jardins de magnólias com sebes de buxo. Deslizo num tapete de luzes de Natal bebendo encantada o esplendor das montras de Santa Catarina. Há pegadas minhas, minúsculas, nas areias de Leça da Palmeira. E gritos de alegria da criança que fui a nadar nas ondas de um mar gelado onde me sentia em casa. Tão em casa como nunca mais me senti em lado nenhum do mundo inteiro.
Passeio, e movimento-me pelo Porto com o à vontade que conquistei palmo a palmo ao longo dos anos que insisto em voltar. Em tentar voltar. Encontro-me, invariavelmente, com fragmentos de memórias banais, pungentes ou exultantes. E tão antigas que posso muito bem tê-las inventado a todas. Algumas nem são do tempo em que nasci.
Mas e de todas as vezes, sinto perdi, e para sempre, a chave da minha geografia de infãncia. Algures, por aqui.

quarta-feira, março 03, 2010

Elefantes e rinocerontes odeiam-se de morte?

Durante uma manhã curta -- 12 horas de um sono profundo com sonhos estranhíssimos ao longo da madrugada -- pensei : tanta coisa, e acabou. Finito. Punto. Já está, e pronto. Adeus até nunca. E agora? Digo, um projecto de investigação histórica de alguns anos, que culminou numa tese de mestrado que chegou a muito bom porto, sob o titulo :

«Do odio natural que ha antre hos Elephantes & hos Rhinoçerotas» ou o Poder do Mito nos Alvores da Expansão Portuguesa.

Mas à tarde, a minha querida Rosarinho, da Oficina do Livro já estava a telefonar-me para saber como tudo correu, a dar os parabéns e a perguntar pelo «nosso André» a nova aventura deste «herói» juvenil, agora com espaço para crescer.
E à noite, entre conversas múltiplas, com presentes e distantes, (louvado seja o skype e tudas as comunicações similares), alguém referiu o «vazio» inevitável que se sente após o fim de uma etapa tão intensa, apaixonante, exigente mas também tão insuportável por vezes.
Senti esse vazio, sim. Mas logo a seguir, o resto da minha irrealidade real tom0u as rédeas da vida. Tenho vários livros à espera. E um já em bom andamento. Vivo e convivo com gente que adoro. Próximos mesmo os que andam longe. Várias conferências agendadas em torno de vários livros publicados. Do António Variaçoes, em Silves, à Maria Adelaide, no Conde de Ferreira, no Porto. Não me sobra espaço mental para vazios de alma desse teor. Não é que não os sinta. Não tenho é tempo para lhes dedicar.
Por outro lado, como disseram os ilustres membros do júri, este trabalho foi um ponto de partida, e não um ponto de chegada. De certa forma, fico muito aliviada. Quero dizer, por continuarmos juntos. Eu, o elefante, o rinoceronte e o unicórnio. Ainda não sei é como ou por onde. Eles me levarão. Afinal, por isso é que são fantásticos.

Imagem: «Luta entre o elefante e rinoceronte, inimigos naturais»(séc. XIV), Saltério da Rainha Mary retirado de The Medieval Bestiary, http://bestiary.ca/manuscripts/manugallery973.htm#