quarta-feira, janeiro 26, 2011

Mount View, California

Hi there! Thanks so much for passing by, but... why? Have we met each other already, I mean by the book (or books)? Just curious. Never been there. Wish I was there. Here is too cold by now. Anyway it's so nice having you around. It seems that you are far more than one. Is that so? Wow. Saudo-vos e abraço-vos a todos, from Mount View, California, to Portugal, passando por Brasil, Angola, Moçambique (em geral via Café Zambeze), Alemanha e Suiça, Espanha e Reino Unido e outros lugares planetários. É bom sentir-vos, entre  tantas outras pessoas que sei, silenciosa e fielmente por aqui.
Quando está tanto frio, sobram os sonhos. E sua partilha.
E depois disto, acrescento: entre hibernar e migrar, can't we have both?

sábado, janeiro 22, 2011

Ontem vi o Carlos de Castro vivo num programa de mortos

Ontem vi o Carlos de Castro, vivo, a participar de um programa de televisão em que se comunica com os mortos. Dois entes queridos vieram ao seu encontro. O primeiro foi um homem vestido de senhora, "que faz questão em ser tratado como mulher", adiantou a medium, detalhando que essa entidade presente fez uma sua entrada "triunfal" como se pisasse um palco, ao som de uma música que ela não conseguia identificar. Tinha as mãos primosamente arranjadas, unhas vermelhas, e não dispensava também o arranjo dos pés. Trazia um vestido espampanante, colares, adereços, anéis, perfumes. Uma diva, em suma. Carlos de Castro, não se preocupando em disfarçar uma lágrima, identificou o espírito que lhe segurava na mão:
- É a Ruth Briden. O maior transformista que Portugal conheceu.
Uma história de vida com triunfos e glórias e tragédias. Morreu, há uns anos, poucas horas depois do namorado. "Um Romeu e Julieta no masculino" sublinhou o cronista, que escreveu a biografia da entidade que lhe estava ali a testemunhar  um amor para lá da morte. Como a senhora "baixinha" ao seu lado.
- É a minha mãe - explicou Carlos de Castro, muitíssimo emocionado.
O estudio do programa da TVI estava repleto de "entidades", quase todas "felizes" pela oportunidade de se poderem manifestar. Mas algumas acabavam por ficar nervosas, inquietas, zangadas. Uma pôs-se a falar muito depressa para conseguir fazer-se ouvir. Outras tinham sofrido muito neste vale de lágrimas e a sua partida fora muito dolorosa. Enfim, um grupo ora alegre ora triste e sem novidade nenhuma do lado de lá, seja o que for que isso signifique. Tirando que ninguém viu ninguém ou nada, excepto a médium, que, sempre em inglês, descrevia formas, cores, sons e circunstâncias que identificavam o, a, os, as, falecidos, e transmitia pequenas informações de carácter quotidiano que estes queriam partilhar.
Os mortos deixaram palavras de amor pelos amados vivos que, manifestamente, os choram ainda.
E se muita gente chorou naquele estudio!! Identificavam-se pelas "roupas" pela forma do corpo, por gestos repetidos. Um abria e fechava caixas dentro de caixas que continham relógios e botões de punho. Outro mandava a médium perguntar se não tinham percebido que aqueles candeeiros a acender e a apagar, e aquela ficha sempre a saltar da tomada da corrente, eram os sinais que dava de que continuava aqui. Havia um que não parava de tirar lenços dos bolsos e de tubos compridos. Muitos, muitos, muitos lenços. Todos da mais pura seda...
- O meu pai!! é ele!! Era ilusionista e eu começei a aprender com ele!! - identificou a actriz Irene Cruz.
Um, aliás uma, deixou duas senhoras banhadas em lágrimas. Outro, aliás, outra, tranquilizou a filha destroçada. "Morrera por acidente. Juro, garanto, repito, por acidente". E a jovem, mais só do que nunca, aceitou. No fim, porém, adiantou que a sua mãe fora esfaqueada em São Paulo.
As palavras podem mudar assim tanto de sentido entre aqui e do outro lado? Um acidente de carro ou uma faca intencionalmente espetada no fígado ou no coração de alguém podem descrever-se pelo mesmo vocábulo?
Conforto. Muitas lágrimas. Presenças de vivos que agora estão mortos - como o Carlos de Castro - e de vivos que continuam a chorar os seus mortos.
E que mortos são estes afinal?
Dos recados, das mensagens, dos sinais ali transmitidos, ressalta uma sensação de absurdo. Passada a experiência fatal, é isto que resta? Caixas de botões, lenços de seda sempre a sair do mesmo invisivel bolso, candeeiros que acendem e apagam, e palavras de conforto? Porque é que o saldo deste "espectáculo", a nós, de fora, nos parece tão intoleravelmente vazio e repetivo?
Morrer assim, como diria a Lili Caneças, é de facto o contrário de estar vivo. Só que parece a mesma coisa. Só que ao contrário.

quinta-feira, janeiro 20, 2011

O velho, o rapaz e a menina

Mergulhada nas agruras sentimentais do consultório da revista Maria, passou-me ao lado a passagem dela pela rua, diante da montra do salão. "Oh, que pena", comentou a cabeleireira. "Não viu." Desfoquei a minha atenção do drama do pénis enorme do namorado da leitora da revista, a quem a psicóloga aconselhava (paciência? magia tântrica? ginástica pélvica?), e foquei-me no assunto empolgante que galvanizara o salão.
- Não vi o quê?
- Não é o quê, querida, é quem! Ela acabou de passar.
Deslizando rua abaixo, ao encontro dele. Linda e maravilhosa. Um corpo de sonho, coberto de roupa e sapatos e carteira de marcas caríssimas. Uma pele assombrosamente branca. Olhos azuis como jóias. Cabelo louro, comprido, de corte irrepreensível.
- Ela é sua cliente? - perguntei à morena, que esticava o meu cabelo em gestos precisos e automáticos.
- Que nada!! Ela não bota o pé em salãozinho de bairro. Aquela ali é tudo do bom e do melhor e do mais caro - retorquiu a brasileira.
Situei-me. Ainda não foi desta que a vi, mas sei de quem se fala. Ela é o bem-querer de ele, que a partilha com... o outro. Ela é jovem e linda. Ele é jovem e até podia ser bonito, só que as poucas vezes que o vi foi a chorar ou quase, e sempre em agonia. O outro é "o velho muito rico", que "banca ela". Pagando-lhe os estudos superiores. Oferecendo-lhe jóias, viagens, o carro esplêndido, a casa mobilada, o anel de noivado com o pedido de casamento anexo.
O rapaz não aceita esta triangulação. Entra no salão como quem vai à Igreja, e interpela a morena e pequenina mulher como quem está no confessionário. Ele não nos vê.
- Diga que ela me ama. Ela vai casar comigo, não vai?
A brasileira, que já não o pode ouvir, lamentando amargamente o dia em que lhe deu ouvidos e conselhos, leva-a à porta e despede-o:
- Quando quiser cortar o cabelo, eu corto, mas com marcação. Quando quiser falar da vida, telefone à sua mãe, aos seus amigos, ou arranje um psicólogo.
Depois volta-se para nós, que, querendo ou não, ouvimos tudo, detalha, e acrescenta:
- Desta vez, ele não vai ter cara para voltar.
Volta, sim. Todas as semanas. É por isso que estamos tão por dentro deste romance que ela desvirtua:
- Que romance que nada, minha gente! A menina só gosta dele pelo sexo. E só gosta do outro pelo dinheiro. É linda, inteligente e uma grande mulher. E ele é um parvo se pensa que ela vai largar o bem-bom, só porque ele comprou uma colcha nova para a cama onde os dois se deitam.

Através das cores unidas do bairro

O Timóteo toma conta de mim. Por causa dele, obrigo-me a sair de casa, quando não me apetece pôr o pé na rua. Obrigo-me a sair da cama, quando facilmente voltaria a cair no sono. Ele comanda-nos,  apenas, com a força magnética do seu olhar de veludo, inteligente, intenso, banhando-nos de amor total. A sua jovem natureza quer passeio. O seu corpanzil pede exercicio. E aqui estamos nós, à vez, a ondular pelo bairro, na esteira de devaneios do puro prazer que dele emana. Assim, estamos a reconhecer velhos ambientes a uma luz desconhecida e nova. As ruas de todos os dias mudam ao nascer do dia, ao deitar do sol, com bom ou mau tempo, debaixo de chuva, rompendo nevoeiros, ou sob os raios da lua mais louca que vi nos últimos anos.
Ele cheira tudo. Ele espreita tudo. Ele quer ir a todo o lado. Ele sonha apanhar gatos ou pombos. Ele descodifica o aroma de outros cães, de todos os tamanhos e raças e feitios, que ladram das varandas, atrás das portas fechadas, no outro lado do passeio, ou ao virar de esquinas. Cãe que correm ao seu encontro, ou a saltam inutilmente no ar, presos por trelas eficazes nas mãos dos seus donos (odeio esta palavra) de todas as idades.
E assim, no correr dos dias, o Bairro, com todas as suas cores unidas, torna-se cada vez mais nosso, e nós cada vez mais dele.

segunda-feira, janeiro 03, 2011

Ter Áfricas na boca e a mente descaída

Há uma riqueza enorme na expressão popular mais genuína. Ou como diz Carlos Barreira da Costa, "As pessoas têm uma forma fantástica de dizer as coisas mais complicadas, de explicar as suas dificuldades". Vai daí, este médico  otorrinolaringologista reuniu frases ouvidas em diferentes consultórios e diversas especialidades ao longo de trinta anos e publicou-as no livro A Medicina na Voz do Povo.
Extractos do livro vieram ao meu encontro por email. Pura poesia. Deixo aqui alguns exemplos:
"A minha expectoração é limpa, assim branquinha, parece, com sua licença, espermatozóides."
"Quando me assoo dou um traque pelo ouvido, e enquanto não puxar pelo corpo, suar, ou o caralho, o nariz não se destapa."
"Não sei se isto que tenho no ouvido é cera ou caruncho."
Isto deu-me de ter metido a cabeça no frigorífico. Um mês depois fui ao Hospital e disseram-me que tinha bolhas de ar no ouvido.
"Ouço mal, vejo mal, tenho a mente descaída."
" Fui ao Ftalmologista, meteu-me uns parafusinhos nos olhos a ver se as lágrimas saíam."
"Tenho a língua cheia de Áfricas."
"Gostava que as papilas gustativas se manifestassem a meu favor."
"O dente arrecolhia pus, e na altura em que arrecolhia às imidulas, infeccionava-as."
"A garganta traqueia-me, dá-me aqueles estalinhos e depois fica melhor."

sábado, janeiro 01, 2011

A Matéria Verde do Universo, ou outra maneira de dizer comida.

Nestes dias, nestas noites, em que nos damos conta de quanto e como comemos em excesso, uma pausa para saudar a sacralidade dos alimentos. Citando o Taittirya Upanishada onde se encontram algumas curiosíssimas afirmações sobre a comida e o seu elogio:
"Todas as espécies e raças de criaturas que têm o seu refúgio na terra são geradas da comida; por conseguinte, eles também vivem da comida e é à comida que eles regressam no fim e por fim. Por ser a mais antiga das coisas criadas, a comida é conhecida como a Matéria Verde do Universo. Na realidade, aqueles que adoram o Eterno como comida, atingem o domínio máximo sobre a comida; porque a comida é a mais antiga das coisas criadas e, por isso, eles chamam-na a Matéria Verde do Universo. Todas as criaturas nascem de comida e crescem através dela. Observai, ele é comida e come, pois devora as criaturas que se alimentam dela, e, por isso, é chamada comida e vem do comer."
Segue-se a descrição de outro patamar mais íntimo do ser, muito diferente deste. É constituído da matéria vital chamada «prana».
Uma delícia.
Taittirya Upanishada, cap. 2, vers. 2, retirado de uma obra a que regresso sempre com prazer renovado: Selma de Vieira Velho, A Influência da Mitologia Hindú na Literatura Portuguesa dos Séculos XVI e XVII, 2 vols., Lisboa Instituto Cultural de Macau, 1988, tomo I, p. 119.

créditos da imagem: http://www.williamclarkson.com/paintingsgreenmatter2.htm