segunda-feira, novembro 28, 2011

África


 

I



O tempo deixou-me este gosto na pele

Um nó na garganta

Calor na alma

Mãos vazias, o corpo nu

Em carne viva.

Tatuagens de recordações espalho-as no chão,

À minha volta

Há gritos de sereia num porto, e eu lambo cinzas.

Ainda estão quentes.


Onde estão todos?

Paredes nuas.

Colares de missangas vermelhas, colares de missangas negras

Um bater surdo de tambores.

Árvores esplêndidas dos tempos do primeiro

Tempo.

E templos e véus

E estradas escondidas

Sob mato rasteiro de silvas

Como puderam esconder tamanho esplendor?



II


Andamos juntos e ainda não te vi o rosto.

Amei-te, e eras sempre diferente.

E contudo... se soubesses por onde te procurei.

Ouves o meu grito?


Esperava que dissesses, na concha do meu ouvido:

Somos os marinheiros e o mar e o navio, a tempestade e o sono.

Sonho.

Queria dizer-te isto:

Viver é amar cada segundo como se fosse o último,

Mas não é sempre assim.

Gosto de redes e de laços. Gosto de anéis.

Gostava de já não gostar.

De já não gostar.


III


Cais de náufragos em cidades mortas onde

Depois de enterrar os mortos

Me esqueci

Do local das sepulturas.

Às vezes ainda lá vou

Gruta de sombras onde depois de queimar deuses

Nma lareira que nem existe,

Ouço-me

A chamar por eles.

E fico, de mãos feridas a escavar palavras e silêncios.

Procuro, procuro.

Penso: para onde vamos meu amor?

E então volto sempre.

Da soleira da porta vejo-te acenar-me

Quando me viro,

Com as mãos em concha protejo-me da luz para te ver bem

Antes que a estrada me engula.

Penso: porque não me prendeste com laços e anéis

Nas redes dos teus braços adormecidos?

E então volto

Sempre à espera

De ti.

Esvazio-me.

E penso: quem és tu?



IV


No vento da tarde soltei os ramos

Na Primavera abri a copa das árvores

Chovia e entraste no meu tronco.

Tremias.

Disseste:

Tenho tanto medo. Tenho tanto medo.


Mar manso, mar manso. Pescador, onde estão as minhas redes?

Adormecemos.

Quando acordei

Os sons que se evaporavam da terra eram ocres,

E havia tanto fumo.

E havia tanto fogo.

E havia tanta dor.

E havia eu

Enredada em caminhos

Que não me levavam a lado nenhum.

Amortalhando os sete sentidos incluindo o tacto

Sondando rostos fechados

Eu e o meu medo insone asfixiando-me sem tréguas.

Num abraço de amante obsessivo

Diante de casas sem portas nem janelas nem ninguém.

Às vezes, o som dos sinos amansava a tarde,

Por muito pouco tempo.

À noite, não conseguia ouvir bater o coração escuro do mundo:

Falavam todos muito alto.

Pareciam perdidos e riam

Nem perceberam que me fui embora



V

Quero estar só.

Quero esta solidão indizível para te encontrar amor,

Caleidoscópio de rostos, mil faces a tua,

                                                                                   quero saber o teu nome.

Quero rasgar tanta coisa,

Estes véus estes véus.

Regressar aos  negros braços que enlaçam a

Terra inteira.

Cheirar o teu cheiro nas flores de sangue

Vivas dentro das suas pétalas mortas,

Enrolar-me no teu regaço escuro e cálido,

Pousar o fardo pungente de memórias perdidas

Para recordar todos os teus nomes

Todos os teus corpos

Todos os teus cheiros

Todos os teus sabores

Todos os teus sons

Ásperos e musicais densos e subtis

Mesmo os que doem muito

À flor da pele

E dizer-te no desamparo branco de quem não conseguiu dormir

Nem a dormir sem te sonhar:


Voltei de lado nenhum

para entrar na roda das antiquíssimas danças

Ao som dos tambores velhos

Em noites recortadas de chamas.

Abraça-me oh Mãe de todos

Porque pesa tanto

O estômago vazio,

O saco vazio do vagabundo,

A alma solta de quem viaja,

Este amor que sinto, esta dor que tenho,

Chamei-te tantas vezes.

Tantas vezes.

Tantas vezes.



Se ao menos soubesses como te amo.



(Manuela Gonzaga Fevereiro – Outubro de 1975.)
Imagem: Maria Alagoa. Embondeiro, Tete, 2010.

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