Tenho estado agarrada ao telefone e a enviar mensagens a muita gente por causa de um amigo que, tal como centenas de milhares de gente nossa, enfrenta o horror do desemprego. Não estamos muito próximos, mas mantivemos sempre contacto esporádico, por causa da literatura. Conhecemo-nos nos 80's no delírio dos jornalismo livre, quando retirada a censura prévia que rasurava os textos, retirava imagens, abafava o vento livre do poema, silenciava poetas, cortava filmes e suspendia espectáculos, se retirara para o canto murcho dos pesadelos. E nós, na nossa inocência e ignorância, e, porque não dizê-lo?, na arrogância da juventude que se sente sempre eterna, achávamos que a liberdade chegara e ia ficar para sempre.
Provavelmente não cuidámos dela o suficiente. Provavelmente, dormimos demais.
E depois veio a factura. Lentamente, subrepticiamente, o pesadelo estendeu os tentáculos, e foi saindo do seu buraco pelos sítios do costume. Seduzindo muitos, comprando os suficientes, afastando as almas mais rebeldes, silenciando as vozes mais livres, e assim afogando todos os sonhos da liberdade. Aos poucos, os jornais, viveiros de criatividade e nalguns casos, incubadoras de génio, começaram a acinzentar como nos tempos do outro tempo. Das chefias começaram a emanar ordens aparentemente desordenadas. Aos poucos, foi reaparecendo a figura de má memória do bufo ou controleiros ou controleiras, a vigiar textos e conversas. A denunciar descontentamentos. A promover o despedimento da ou do mais incómodo...
Afastei-me do jornalismo em 2000. Já tinha visto o suficiente para saber o que vinha aí. Mas quando pessoas de quem fui próxima, que irradiavam saber de experiência feitos, se cruzam no meu caminho, olá Manela, vê lá tu não tenho trabalho vai para um ano; sei tanta coisa, fiz tanta coisa, especializei-me nesta área ou nesta ou naquela; dei a mão a tanta gente e toda a gente me conhecia, e agora ninguém me atende o telefone, ninguém me abre a porta, ninguém me acende a luz de presença de uma esperança...
Quando ouço estas pessoas, que chegam ao dia 20 sem saber como vai ser o mês que vem; sem saber por quanto tempo mais vão conseguir ter tecto sobre as cabeças embranquecidas; sem horizontes; sem amigos nos amigos dos tempos do poder; quando falo com essas pessoas que para mim têm sempre vinte e cinco ou trinta anos, que era a idade que todos tínhamos na época em íamos mudar o mundo todo e virá-lo de pernas para o ar, porque amávamos a vida até à embriaguez... sinto um gelo no peito e um aperto na alma que não vos digo nada.
Bom, vou voltar aos telefonemas.
Provavelmente não cuidámos dela o suficiente. Provavelmente, dormimos demais.
E depois veio a factura. Lentamente, subrepticiamente, o pesadelo estendeu os tentáculos, e foi saindo do seu buraco pelos sítios do costume. Seduzindo muitos, comprando os suficientes, afastando as almas mais rebeldes, silenciando as vozes mais livres, e assim afogando todos os sonhos da liberdade. Aos poucos, os jornais, viveiros de criatividade e nalguns casos, incubadoras de génio, começaram a acinzentar como nos tempos do outro tempo. Das chefias começaram a emanar ordens aparentemente desordenadas. Aos poucos, foi reaparecendo a figura de má memória do bufo ou controleiros ou controleiras, a vigiar textos e conversas. A denunciar descontentamentos. A promover o despedimento da ou do mais incómodo...
Afastei-me do jornalismo em 2000. Já tinha visto o suficiente para saber o que vinha aí. Mas quando pessoas de quem fui próxima, que irradiavam saber de experiência feitos, se cruzam no meu caminho, olá Manela, vê lá tu não tenho trabalho vai para um ano; sei tanta coisa, fiz tanta coisa, especializei-me nesta área ou nesta ou naquela; dei a mão a tanta gente e toda a gente me conhecia, e agora ninguém me atende o telefone, ninguém me abre a porta, ninguém me acende a luz de presença de uma esperança...
Quando ouço estas pessoas, que chegam ao dia 20 sem saber como vai ser o mês que vem; sem saber por quanto tempo mais vão conseguir ter tecto sobre as cabeças embranquecidas; sem horizontes; sem amigos nos amigos dos tempos do poder; quando falo com essas pessoas que para mim têm sempre vinte e cinco ou trinta anos, que era a idade que todos tínhamos na época em íamos mudar o mundo todo e virá-lo de pernas para o ar, porque amávamos a vida até à embriaguez... sinto um gelo no peito e um aperto na alma que não vos digo nada.
Bom, vou voltar aos telefonemas.
OcusFocus via Getty Images |
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