domingo, novembro 07, 2010

O Professor de matemática

Eu não conhecia aquele professor enquanto tal. Apanhei-o apenas no 5ª ano do liceu, no colégio liceu de Tete. E como morria de vergonha só com a ideia de que ele me pudesse chamar ao quadro e eu fazer má figura, resolvi aplicar-me nas duas disciplinas que mais detestava. Matemática e Fisíco-química. Fui ter com ele pedi-lhe para me dar explicações. Ele recusou-me como aluna particular. Por uma questão de ética, explicou:
- Se tiveres boas notas, toda a gente vai dizer que te passei, previamente, os testes. Fazemos o seguinte. Empresto-te as minha sebentas, e estudas por elas.
- Então os seus outros alunos e alunas a quem dá explicações? Não podem dizer o mesmo?
- Não - respondeu ele, secamente. - É totalmente diferente.
Tive vontade de chorar. Aquela rejeição doía duplamente. Afinal, aquele professor era, também, meu pai.
Em todo o caso, e para não perder tudo, agarrei nas suas sebentas, e atirei-me a elas. Na escaldante cidadezinha dos trópicos, os meus pais estavam a protagonizar uma, na época, muito inédita separação litigiosa de pessoas e bens. Por nada e por tudo. Não queriam continuar juntos. Mas para a miúda de 14 anos que eu era, o peso dos muitos olhos e muitos ouvidos que seguiam a novela chegava a ser esmagador. Ser boa aluna naquelas disciplinas, era uma forma de me tornar invisível e não dar azo a mexericos adicional. Por acaso, o meu irmão não pensava nada da mesma maneira, e arranjou uma forma confortável de passar á tangente, cabulando com todo o desplante. A Mimi, que recorda o professor de matemática num texto que me comoveu, fazia-lhe companhia. A dupla safou-se bem e com resultados razoáveis até nos exames finais.
Eu, porém, jogava pelo seguro.
Muitas vezes, ao fim da tarde, o João Nasi aparecia lá em casa e estudávamos juntos. Evidentemente, falávamos muito mais da nossa vidinha adolescente, do que de equações ou triangulos equiláteros.  Ele estava apaixonado de caixão à cova por uma colega nossa, uma menina alta, séria, de rosto de porcelana, olhos azuis e cabelos negros. A sua primeira namorada, acho. Nas minhas memórias dessas tardes, ela é omnipresente num interminável e eu disse e ela disse e eu disse e ela disse, ou, o que achas que eu devo dizer, o que é que ela quer dizer com o que ela disse?, e coisas mais ou menos assim.
Delicioso.
Mas o resultado final, foi explêndico. O meu irmão até se lembra dos parabéns que o pai recebeu pela aluna que eu fui, no exame oral das suas disciplinas. Uma fascinante prova sobre Geometria no Espaço. Nessa altura, se não fosse tão nítida a minha vocação para outros rumos, a matemática teria sido um apelo poderoso.
discursando na cerimónia de abertura ano lectivo 1969/70
 

2 comentários:

Madalena disse...

Que linda e terna recordação, querida Manuela. Todos devíamos ter activadores de memória, porque as memórias doces tornam mais suportáveis os dias mais complicados e adiantados da vida. Beijinhossssssssssssssssssssssss

mg disse...

...adorei!