O corpo esguio e tão branco, a brilhar sob a luz da manhã nova, ela dormia serena na impossível posição dos amantes. As pernas, longas e desnudas, numa geometria fetal, os braços tombando-lhe sobre o peito, a cabeça no colo dele, a cara escondida pelo cabelo solto, louro, desalinhado. Ele, muito acordado, envolvia-a num abraço. Os dois no banco estreito, de frente para o sol que nascera há pouco e os pintava de ouro. A cabeça dele inclinava-se sobre a dela, as mãos dele fechavam o círculo em redor do peito dela. Os dois respiravam o mesmo ar. Um pequeno milagre de amor, no jardim real de todos os príncipes e princesas.
quinta-feira, abril 28, 2011
quarta-feira, abril 27, 2011
Águaaaaaaaaaaaaaaaa!!!!!!!!
Os gritos. Os gritos. «Quero águaaaaaaaaaaaaa». Na rua estreita e íngreme não havia como lhes escapar. Ela gritava, ululava, como se a tivessem a estripar. Havia um homem grande, de avental branco, à porta do restaurante. O seu rosto não tinha qualquer expressão:
- Não lhe dou mais água nenhuma.
Tentei escapar ao torpedo que vinha direito a mim, bramindo e agitando os braços.
Estremeci. O cão estremeceu. Ela apanhou-nos a descer a rua bem junto à parede, e gritou:
- Queroooooo águaaaaaaaaaaaaaaaaaaa!
parada à nossa frente, gigantesca e pavorosa, consumida por invisíveis labaredas. Escapei àquela onda de pavor, atravessando a rua em direcção ao homem de avental. Olhei para ele, ele olhou para mim. Abanou a cabeça:
- Não dou mais água nenhuma.
- Chamamos a ambulância? Polícia?
Ela estava a dois passos de nós, com os seus gritos roucos, os braços a esgrimir contra o ar da tarde toda.
- Nã - disse ele, abanando a cabeça e voltando a entrar para o restaurante.
A mulher afastou-se, sempre a gritar o mesmo refrão.
Na escuridão do seu cérebro doente, o holograma da realidade é um pavor sem limites. Com ela, o inferno passou por nós, com um hálito de fogo e indizível sofrimento.
Ela podia estar mergulhada no Tejo que continuaria não ver mais do que sede e chamas.
Por isso gritava com o desespero dos condenados, como quem chama por um deus ausente.
E nós sem podermos valer-lhe.
Autor da imagem: Jeffrey Heft.
Tântalo e seu suplício |
- Não lhe dou mais água nenhuma.
Tentei escapar ao torpedo que vinha direito a mim, bramindo e agitando os braços.
Estremeci. O cão estremeceu. Ela apanhou-nos a descer a rua bem junto à parede, e gritou:
- Queroooooo águaaaaaaaaaaaaaaaaaaa!
parada à nossa frente, gigantesca e pavorosa, consumida por invisíveis labaredas. Escapei àquela onda de pavor, atravessando a rua em direcção ao homem de avental. Olhei para ele, ele olhou para mim. Abanou a cabeça:
- Não dou mais água nenhuma.
- Chamamos a ambulância? Polícia?
Ela estava a dois passos de nós, com os seus gritos roucos, os braços a esgrimir contra o ar da tarde toda.
- Nã - disse ele, abanando a cabeça e voltando a entrar para o restaurante.
A mulher afastou-se, sempre a gritar o mesmo refrão.
Na escuridão do seu cérebro doente, o holograma da realidade é um pavor sem limites. Com ela, o inferno passou por nós, com um hálito de fogo e indizível sofrimento.
Ela podia estar mergulhada no Tejo que continuaria não ver mais do que sede e chamas.
Por isso gritava com o desespero dos condenados, como quem chama por um deus ausente.
E nós sem podermos valer-lhe.
Autor da imagem: Jeffrey Heft.
segunda-feira, abril 18, 2011
Dead people alive
I'm writing a new biography. I'm connected in a daily basis with someone who died five centuries ago. So I'm in a middle of something like "I can see/listen dead people".
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