– Abre os
braços – pediu ela.
Ele abriu os braços, subitamente
consciente do corpo deitado junto do seu.
– Respira fundo – pediu ela.
Tinha uma voz quente, rouca, e falava muito baixo.
Ele respirou fundo, extasiado pela onda de um desejo avassalador que o submergiu, e teve
vontade de gritar. Estavam deitados numa cama larga, num quarto escuríssimo.
Havia uma espécie de ameaça, no ar. Nada que pudesse
diminuir um átimo que fosse da intensidade do seu desejo pelo corpo que tocava
no seu.
– Volta-te para
mim – ordenou ela.
E ele voltou-se a tempo
de ver, na escuridão, os olhos cor de avelã que brilhavam como sóis furando o
negrume que os amortalhava.
– Agora
cobre-me. Crucifica-me em ti – pediu ela,
num gemido que o electrizou.
Ele rodou, e foi então
que ele reconheceu a natureza da ameaça que se erguera contra os dois. Numa
urgência agónica, ainda conseguiu sentir o calor húmido do beijo que o orvalhou
de um prazer tão intenso que o seu sabor permaneceria nele para o resto dos seus dias.
Não pode, porém, permanecer junto dela. Perdeu-a no exacto momento em que a
cobriu, sentindo, para seu infinito desgosto, a respiração dela na sua boca, os
seios duros, as pernas fortes a enrolarem-se à volta de si.
Acordou com vontade de
chorar e de rir. Um homem muito velho, com uma gloriosa ereção de quarenta anos,
deitado junto de uma mulher idosa que ressonava baixinho. Ergueu-se em silêncio
para não a acordar. Não estava a sonhar com ela. Nunca sonhava com ela. Viviam
juntos, eis tudo. Há tantos anos feitos de dias tão iguais, que tocar-lhe ou
imaginar-se a tocar-lhe por prazer e com desejo, ter-lhe-ia parecido obsceno. Lentamente, dirigiu-se `janela e espreitou o dia que começara a nascer.
«Obrigada», mumurou a boca quase encostada à vidraça que, imeditamente, ficou embaciada. Depois aclarou a garganta e limpou os olhos húmidos. Quem sabe se voltaria a encontrá-la?
Só de pensar nela, só de pensar nela.
4 comentários:
Lindo e real este texto.
Obrigada Mimi
Olá
Este texto pertence a algum livro? Adorei a maneira cmo descreve o momento do despertar para a realidade
Este texto irrompeu de inspiração pura, não integra livro nenhum. Obrigada pelo comentário.
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