sábado, maio 31, 2014

África de amar com amor maior

Eu não quis, e mesmo que o quisesse, por absurdo!, nunca o faria: inventar um passado diferente do que ele foi. Honro profundamente as minhas e as nossas memórias comuns em toda a sua pluralidade, inconsistência e, porque não? erro. Aprendi muito desde que voltei. Acima de tudo, aprendi a amar ainda mais, porque amar de graça o que por definição já não nos pertence é amar com amor maior. Moçambique. Angola. Portanto não esperem de mim revisionismos e autoflagelações ideológicas. Things are what they are. E também o que foram e como foram.

O meu livro Moçambique para a Mãe se lembrar como foi enraíza nessa coerência. E vai mais longe, porque também relata, refere e recolhe dados que, na altura não nos eram acessíveis. É a vantagem de cruzar várias valências. A escritora e historiadora que sou com a jornalista que fui e a pessoa em que me quero tornar.

E dito isto... África 'nossa' nunca existiu? Provavelmente não. Até porque os vocábulos que implicam a noção da posse incerta aplicam-se sempre ao imponderável e ao muito efémero. Mas há uma coisa que transcende estas imponderabilidades e este fugidio conceito de ter. É que nós, que cruzámos o seu corpo matricial, nós que amamos o seu  chão de Mãe, ali ficámos, em raiz secreta. África apropriou-se de nós. Tornou-nos de Ela. E não há nada que possamos ou queiramos fazer em contrário.

 

terça-feira, maio 27, 2014

Mar de Letras: Moçambique, Angola, Portugal.





A minha entrevista a um programa de referência - Mar de Letras. Excelente entrevistador, excelente equipa, uma honra ter estado ali.

sábado, maio 24, 2014

Uma história de amor por Moçambique



Porquê este livro? Em menos de um minuto, juntando imagens, palavras, música e sentimento, a minha editora explica tudo. Eu fiquei de lágrimas nos olhos.
Sim. É uma história de amor. Uma grande história de amor por Moçambique.

sexta-feira, maio 23, 2014

Moçambique para a mãe se lembrar como foi

Entrei no quarto, ela estava a sair ao meu encontro. Linda, como sempre. Casaquinho encarnado, cabelo brilhante de tão branco, um branco que há muito dispensa tintas e outros cuidados para além do bom corte. Abraçou-me radiante. «Hoje estava cá com uma neura» - disse, manifestando a alegria que sempre manifesta quando nos vê. Estendi-lhe o livro. Ela voltou para trás, eu abri a persiana, o quarto dela dá para um pátio grande, há árvores e tudo, e ela olhou-o deslumbrada:
- Isto parece-me um milagre.

Depois sentou-se na cama, e eu, dispensando o sofá, sentei-me em frente dela. O livro tinha acabado de me chegar às mãos, exemplar único por enquanto, mas não tive tempo para o olhar em detalhe, na urgência de lho ir entregar. E de repente, também a mim me parecia um sonho que aquelas páginas de historias soltas que desde há um ano e meio fui escrevendo para ela, com as histórias dos nossos dias de há muito tempo, estivessem agora concluídas em livro, com a capa maravilhosa que ela não se cansava de olhar.

Depois, mostrei-lhes as fotografias que conseguimos reunir e que acompanham estes registos. «Ah, que bom, tem fotografias e tudo!!» E então, nomes de pessoas - às vezes só pelo apelido, ou pelo diminutivo - e nomes lugares começaram a fazer-se presentes na memória esquiva dela.
- Mas é um livro enorme! Quanto tempo demoraste a escrevê-lo?
Fez-me esta pergunta varias vezes, e de todas as vezes respondi-lhe como se fosse a primeira:
- Um ano e meio, mãe.


Quando, ao fim de um bom bocado me vim embora - aulas de escrita à minha espera, leituras urgentes que tenho de terminar e outros afazeres - ela não se importou nada. Estava agarrada ao livro.
- Tenho muito com que me entreter! Foi a melhor coisa que me podias ter dado. Parece-me um milagre.

Os olhos dela riam, a cara toda aberta num sorriso. Parecia uma criança. Voltei para casa a flutuar numa nuvem de indizível melancolia e ternura e felicidade.


A mãe aos 28 anos, pouco antes de casar
 

domingo, maio 18, 2014

À Mãe que nos deu África

 
Maria Leonor Vieira Paixão Gonzaga aos 44 anos quando fomos para África
O meu novo livro nasceu para e por causa da minha mãe. Nem era bem para ser um livro, A sua vocação, pensava eu, resumia-se ao registo de memórias impressas em folhas A4 onde passei a fixar a história da nossa ida do Porto para Moçambique - a começar pela inesquecível viagem de barco a bordo do paquete Império que levantou ferro em Lisboa.

Desta forma, tentava com os meus recursos, mitigar a solidão da sua existência sem memória, ao verificar o poder dos nomes, maior, muito maior ainda do que o poder que os cheiros têm de acordar o passado. Nesse verificar o poder que os nomes tinham e têm de concitar tempos pretéritos surgiu-me a ideia: se eu escrevesse as histórias que lhe conto todas as vezes que estamos juntas, a Mãe teria ao alcance da mão, histórias, suas, nossas, para ler sempre que quisesse. E ao lê-las, de todas as vezes como se fosse a primeira, alguma água ficaria retida no areal infindo e desolado onde se inscrevem os seus dias todos iguais. Porque todos os seus dias são tecidos de esquecimento.

A alegria que ela sentiu e sente em torno destes registos, a sua imposição - «isto não pode ser só para mim, despacha-te que quero ver estas páginas em livro antes de morrer» - e o apoio convicto do meu amigo e editor, Eduardo Boavida, impulsionaram o passo seguinte. Os passos seguintes. Um ano e meio depois de «Moçambique para a mãe se lembrar como foi» em folhas soltas A4, surge o livro que, também ele, de certa forma fugiu ao meu controlo, porque os livros têm vida própria e também eles traçam os seus rumos. Digo isto, porque ele cresceu para além do que imaginei que deveria ter crescido. De certa forma, obrigando-me a revisitar os nossos esplendorosos lugares pretéritos, com a bagagem mental, emocional, cultural, que entretanto fui adquirindo. Lugares, pessoas, episódios felizes, estranhos ou delirantes, uns, dolorosos, outros, cheios de plenitude quase todos, tomaram vida. Como se tudo tivesse acontecido anteontem e não há décadas.

Sem nunca deixar que essas valências ou estes pesos se sobrepusessem à voz, à emoção, aos sentimentos da menina e da jovem que outrora fui, acordei o que nunca esteve adormecido. O amor e a sensação iniludível de pertença àquela Terra bem-amada, Moçambique e àquela geografia mãe, África.


 


 

sexta-feira, maio 16, 2014

Sentir-te na pele até às entranhas

A propósito do meu envolvimento com o PAN - na medida do que me é possível, deixo aqui um memo sobre as razões que levam pessoas tão diversas como as que para minha e nossa alegria vamos conhecendo neste percurso. É uma espécie de maior denominador comum, o que nos move

Ao contrário do que muita gente pensa e não diz, ou diz e nem pensa, a empatia é uma qualidade humana muito abrangente que não se detém em fronteiras. Pode ser desenvolvida pela educação e pelo meio em que se está inserido, mas é fortemente inata. Em maior ou menor grau. Estou convencida que tem a ver com a imaginação. Quando conseguimos sentir na pele o que outro poderá estar a sentir, deixamos o pequeno mundo onde vivemos acobertados pela entidade esquiva e instável a que chamamos «eu» e descobrimos o infinito mundo dos outros. Para o melhor mas também para o pior. Assim, defender quem não tem voz, torna-se inevitável. Não é por se ser «bonzinho» ou «boazinha». É por não se ter escolha. Num mundo onde se considera a crueldade sempre gratuita como natural, indispensável, e até de bom gosto, estar do lado dos que são vitimas dessa mentalidade é inevitável. Para não se enlouquecer de impotência e de desgosto.



 

quinta-feira, maio 08, 2014

Guardaste-me tão bem

Guardaste-me tão bem, mas tão bem, que já nem eu própria acedo à memória de mim, a essa que cultuas no segredo dos teus pensamentos. Às vezes, deixas escapar uma frase, um poema, para que eu partilhe as migalhas do teu culto. No incêndio que traçam, essas palavras só me acordam uma breve melancolia. Por instantes, olho de frente a vertigem do passado. Nesses momentos invejo-te. Não nos fui tão fiel. Não te construi catedrais ou mausoléus. Os meus braços estão demasiado cheios de nada, os meus pés estão demasiado impacientes pelo seu insone caminhar. Onde guardo as formas de tudo o que fomos e somos? Num palácio semelhante ao que nos dedicaste. Mas depois perdi a chave e o mapa. Para lá chegar, só em sonhos que, creio bem, me envias para me acordar.