Um dos prazeres que este meu último livro, Moçambique para a Mãe se lembrar como foi, me tem dado - para além do reencontro pessoal ou virtual com pessoas que nunca mais pensei voltar a ver - é o de confirmar que as minhas memórias suportadas pelo minucioso trabalho de pesquisa a que me entreguei, estão correctas. A minha história não é só minha. É de todos nós os que vivemos aqueles tempos - lá e cá. Porque Portugal hasteava bandeira do Minho a Timor, e porque estávamos no geral convictos de que essa era pátria nossa.
Sabíamos todos muito pouco.
Sabíamos todos quase nada.
Mas juntando o que se viveu ao que se sabe agora, o retrato é de guardar.
Fica um pequeno trecho da minha chegada à terra mais quente do mundo. Tete.
Sabíamos todos muito pouco.
Sabíamos todos quase nada.
Mas juntando o que se viveu ao que se sabe agora, o retrato é de guardar.
Fica um pequeno trecho da minha chegada à terra mais quente do mundo. Tete.
O batelão do Matundo, aqui transportando tropas entre Tete e Moatize. Ainda não fora construída a ponte sobre o rio Zambeze |
«E então cheguei a Tete,
provavelmente a cidade mais quente do mundo, o «cemitério de brancos» como em
anos idos lhe chamavam, estradas rasgadas sobre o corpo vermelho da terra, ora
enlameadas ora gretadas de secura e poeira, pomares e pequenas hortas em quase
todos os jardins e quintais das casas dos colonos mais antigos, vida social
intensa para a dimensão da cidade, tropa por todo o lado, guerra a apertar a
malha desde as fronteiras da Província, e fui encontrar o meu irmão mais velho,
desolado e magríssimo. Tinha vindo viver com o pai, e fora estudar no colégio
Liceu de São José de Clunny onde o professor Gonzaga leccionava matemática e
físico-química. Entretanto, o ano lectivo não correra da melhor maneira para o
nosso irmão mais velho que carregava agora o ónus de um chumbo sem apelo, o
qual lhe valia, quotidianamente, o indisfarçável mau humor do nosso pai. Em
todo o caso, esse falhanço na sua vida estudantil tinha sido contrabalançado
por grandes sucessos na vida social, com o Jó a consolidar, em Tete, amizades
para a vida:
– Vais gostar – disse-me ele, no desconsolo dos primeiros dias da
chegada, pois até a mãe e os irmãos se nos reunirem, foi praticamente a minha
única companhia numa terra onde eu não conhecia ninguém. O pai estava muito
ocupado e só o víamos às horas das refeições, onde se nos apresentava
invariavelmente com a carranca dos maus momentos, embora me distinguisse com
uma maior solicitude, pois eu saíra-me muito bem nos meus estudos:
– Oxalá te mantenhas assim.
Ao fim da tarde, nas ligeiras tréguas da canícula, dávamos
pequenos passeios solitários, e falávamos de tudo e de nada, enquanto o meu
irmão me punha a par dos detalhes locais, dizendo-me que em breve estaria
completamente «enturmada» na nova cidade para onde a vida errática dos
professores nossos pais nos conduzira. Era uma terra fascinante, quando
aprendíamos a sincronizar a nossa respiração com o seu bafo insone sob o qual
até os répteis enlanguesciam e que nem o imenso rio Zambeze, com as suas águas espessas, escuras e indolentes
– onde colónias de
hipopótamos boiavam serenamente e crocodilos emergiam espadanando as águas –, conseguia retemperar com as suas brisas de fim
de dia.»
O nosso grupo de 5ª amo no colégio liceu de Tete com a irmã Maria |
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4 comentários:
Boa tarde. É com enorme agrado que vejo o seu livro, no qual menciona as memorias de Tete.
Na foto onde está o grupo do Colégio S. José de Clunny, reparo que sou uma das do grupo, Cristina Rocha.(a Crista)
Vou comprar o livro e lê-lo com agrado.
Com os melhores cumprimentos,
Cristina Rocha
Obrigada, Cristina, Foi com muito agrado, tambem, que li o comentário. Vou estar na Feira do livro a 13 de Junho. Será um prazer assinar-to. Tenho quase a certeza de que vais gostar e te vais encontar bastante por aquelas páginas. Um caloroso abraço.
Nos tinhamos um professor de educacao fisica de nome Gonzaga,na escola tecnica,em Tete,e seu familiar?Recordo que ele na altura tinha uma viatura de marca Volskwagen.
Abracos
Satar Suleman
Viva, Satar Suleman,o professor Gonzaga era meu pai.
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