domingo, março 12, 2017

A curadora do Limbo

De uma leitora, adulta, recebi um email que, com sua autorização partilho. O seu relato não tem qualquer relação com a aventura a que se refere, mas foi a leitura de André e a Esfera Mágica, e a passagem para a outra margem do sonho que ali acontece, que despertou esta memória em toda a sua nitidez. MG



«Ao acabar de ler o André e a Esfera mágica, lembrei-me dum sonho meu, bem real e vivido intensamente, já lá vão uns anos. Ele foi tão marcante e importante que ainda hoje o recordo na íntegra. Foi a minha afirmação/confirmação de que sim, eu queria mesmo ser terapeuta/curadora.
As imagens, as cores, o local, o aspeto dos intervenientes estão bem presentes. Foi e ainda é tudo tão nítido…

A Curadora do Limbo

Encontro-me à entrada de uma casa branca. Muito branca e enorme. Atrás de mim, uma porta de vidro que tenho de passar, antes porém, tenho de perceber o que estou ali a fazer e o que me terá ali levado…Para além desta porta de vidro, normal, há uma outra, a uns metros de distância desta mas bastante diferente. Da altura da casa e da mesma largura que a altura, faz lembrar um portalhão como os que existem nos quartéis de bombeiros, que abrem e fecham para guardar os carros tanques.
Não se vê vivalma…

Esta casa está isolada. À sua volta, apenas terra. Terra morta, escura, sem vida. Não há uma única planta, animal, água. Apenas terra argilosa, seca. É imensa a sua extensão. E eu olho sem entender o que estou ali a fazer. Às tantas, bem lá ao longe, algo se desloca, devagar, na minha direção. Percebo que no meio daquele deserto há um sinuoso e ligeiro caminho que evolui pela frente da casa e continua. Aquele vulto vai-se aproximando e percebo que é um homem, também ele escuro, pouco se diferençando da cor da terra argilosa. Traz consigo a lancheira e, preso a si com correntes fortes, carrega um enorme tronco de árvore. Aqui e ali, cai nos buracos cavados na terra, (parecendo que antes por ali tinha passado um todo-o-terreno) e, com um enorme esforço, lá se levanta, rastejando. Fico a observar, sem intervir nesta caminhada que é só dele. Reparo, ainda, que este homem mantém os olhos fechados. Porque será?

Passa à minha frente e continua. Não me vê, não vê a casa e segue…

Mais atrás, vem outro homem nas mesmas condições. Com o tronco acorrentado a si. O peso destes troncos é muitíssimo superior ao peso destes Seres. O que representará? O que estou eu al  a fazer? Este segundo homem, também de olhos fechados, cansado, caminha para dentro da casa entrando pelo portalhão. Percebo o porquê das suas dimensões. Os troncos que estes homens têm de manter de pé, para os poderem arrastar, são da altura daquela porta. Continuo ali, durante bastante tempo. Homens (nunca vi mulheres), continuam a passar. Uns, entram na casa, outros seguem a sua caminhada como que se a sua pena não tivesse chegado ao fim.

Dos que entram na casa, nenhum sai. Eu continuo ali, apenas olhando e, aos poucos, percebo o que estou a testemunhar. Estou numa realidade paralela. No Limbo. Ali, onde as Almas dos pecadores, dizem, se encontram em penitência pelos males que fizeram em vida. Não podem ascender porque os “pecados” foram muitos e por isso têm de penar. Os troncos, as correntes, mantêm-nos ligados ao sofrimento. Uma forma de remissão. Mesmo sabendo que a casa está ali para os ajudar a libertar e ascender, de olhos fechados, recusavam-se a vê-la. Pobres Seres. Que sofrimento…

Entro na casa. Agora estou ciente do que se passa e qual a razão da sua existência. Subo um lance de escadas e, ao meu encontro, descem duas mulheres. Uma está apenas, mas a outra, de bata branca, estetoscópio ao pescoço, fala-me: “estou à tua espera há imenso tempo. Anda daí. Preciso de ti…”

E eu vou. Muito feliz por saber o que estou ali a fazer. Ajudar estes Seres a ascenderem, livres de culpas, sem dor, sem sofrimento, é a missão maior dum terapeuta. Quando escolhi ser uma curadora, não imaginava a grandeza desta missão. Por isto, sou feliz e estou muito grata!!!!


Helena Jorge
Alfornelos, 7/3/2017

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