terça-feira, fevereiro 21, 2012

Lua Vaga II


- Conta-me de novo - pediu ele.
- É só o que te disse. Não me lembro de mais nada.
- Mesmo assim.

Estávamos a nadar num mar  tão transparente que se via a areia dourada no fundo. Não havia peixes, não havia nada. Só nós, naquelas águas profundíssimas. A certa altura pensei que voávamos. Depois percebi que estávamos a voltar à superfície.

- Diz-me mais.
- Não houve mais. Espera, lembro-me de ver o mar cá de cima como se estivesse num avião. Duas coisas me impressionaram de novo. A sua incrível transparência e a sua inconcebível profundidade.
- E nós?
- Ali não havia nós. Desculpa, é só um sonho a mudar, como as formas das nuvens.

Depois percebeu que estava, de novo, junto do Lago. Arrefecera muito, o silêncio do amanhecer encheu-se de sons, e o céu cor de anil foi cruzado pelo voo das garças. «Se ao menos soubesse qual o portal que cruzo quando te encontro» - pensou, o rosto dele a dissolver-se nos primeiros raios da manhã.

Do outro lado do tempo, ele pousou a arma na mesa baixa ao seu lado. Esperara toda a noite uma fera que nunca chegara aparecer. Era um monstro que assombrava a região. Dizia-se que comia gente. Dizia-se que era um homem que se transformava em lobo por causa de uma maldição. «Adormeci outra vez» - pensou. E tentou reter um pouco mais o calor das imagens dela, a diluirem-se no  sopro glacial do amanhecer.  Sorriu. Se dissesse a alguém que a mulher que amava vivia dentro da sua cabeça e só lhe aparecia em sonhos, não faltaria quem dissesse que a floresta o tinha efeitiçado. Depois, talvez lhe fizessem coisas piores.

Mas aqueles não eram tempos de partilhar segredos. Que sabe? Talvez um dia chegasse a descobrir onde ela vivia, se é que viviam no mesmo espaço e  no mesmo tempo.