segunda-feira, fevereiro 27, 2012

Eu, Cláudio

Há regressos que se saúdam com a maior das alegrias. Como este livro que a Bertrand reeditou em boa hora. Lê, relê-se, de um folêgo. Apetece riscá-lo, sublinhar muitas das suas passagens, para saborear mais tarde. Leva-nos para dentro da Roma imperial da decadência, com a serenidade e a objectividade do grande historiador, e fá-lo através de uma das mais gentis figuras que a época produziu no seio da família reinante. O pobre Cláudio. O coxo, o gago, o tolo detestado pelos seus, a começar pela própria mãe, a quem as deformidades físicas horrorizam. Afinal, o culto, o inteligente Cláudio que poucos conseguem ver e que numa prodigiosa sucessão de crimes e acidentes vai ascender ao único lugar onde não queria estar. O império.

Num relato cerebral e extremamente bem fundamentado, somos conduzidos por entre o sopro das intrigas, o hálito do veneno, e a brutalidade do punhal, da espada, do chicote, enquanto assistimos à hecatombe que produz novos Césares e os diviniza. Todos os meios são lícitos. Por exemplo, o culto dos deuses e todos os rituais religiosos são excelentes instrumentos de manipulação. Mesmo os mais sagrados como os perpetrados pelas vestais. Através da Boa Deusa, a confissão permitia dominar a consciência das pecadoras e transformá-las em instrumentos perfeitos, levando-as até a matar para aliviar a sua consciência ignorando que esses crimes eram outros tantos serviços prestados às estratégias do poder.

Colocando-os à frente dos exércitos, atiravam-se para as fronteiras do império os heróis indesejados, aos quais e sem qualquer escrúpulo, se tirava a vida se acaso a sua glória ensombrasse quem manda. Através da intriga, da adulação, do medo, da corrupção, do assassínio, perpetrados de acordo com um plano inteligente e implacável, servido por uma total ausência de escrúpulos: eis os alicerces do Império, em cuja origem encontramos a mão firme de uma mulher. A mulher de César. Lívia.
A estrada da glória, que leva a Roma, é um cemitério de famílias. E o seu palácio um covil de feras.
Atento, o intelectual bobo da cesareia família, tudo vê, tudo anota e sobre tudo reflecte.
Admirável.
Robert Grave (2012) -- Eu, Cláudio, Lisboa, Bertrand Editora.


O autor, Robert Graves (1895-1985), é, em língua inglesa, um dos grandes vultos das letras do século XX. Magnífico e controverso poeta, mitógrafo, critico, editor, romancista, tradutor, permanece um peso pesado das letras e da cultura a que deu contributos imorredouros. Entre varias das suas obras, tenho cá em casa, gastos de tanto os manusear, os dois volumes da sua Mitologia Grega, ainda hoje uma referência académica, mas tão maravilhosamente acessíveis, como tudo o que escreve, numa torrencial pluralidade de registos. Para saber mais:
http://europeanhistory.about.com/od/poetrysongsofww1/a/biorgraves.htm

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