domingo, agosto 21, 2011

De que se fala quando se fala de relíquias?

«A turba enlouquecida despejava directamente dos cálices de ouro para o chão, sem cuidar que pisavam aos pés, o próprio corpo de Cristo, que lhes importava tão pouco como os crânios dos apóstolos São João e Santo André, que, arrancados dos sarcófagos, foram usados como bolas nos jogos dos soldados. Em São João de Latrão, o Santa Santorum onde estavam os corpos de São Pedro e São Paulo foi saqueado. Jamais se vira nada assim em terra cristã.» Mas de que se fala quando se fala de relíquias?


O culto das relíquias – partes do corpo de um santo ou seus objectos pessoais – é comum a várias religiões, nomeadamente o budismo e várias denominações cristãs, nomeadamente o catolicismo. No geral, as religiões da Reforma contestam-nas violentamente. Este culto, que vem desde os primórdios do cristianismo, atingiu o seu esplendor ao longo da Idade Media, sobretudo após a tomada e a destruição brutal de Constantinopla, pelos soldados cristãos da IV Cruzada (1204). A partir de então, foram «encontrados» e vendidos, para além das relíquias de santos, retalhos das fraldas de Jesus, garrafinhas com água do rio em que Ele foi baptizado, ampolas com gotas do leite da Virgem, saquinhos com o barro utilizado na criação do primeiro homem, Adão, chegando a ser contabilizados em centenas os pregos da Vera Cruz. O negócio das relíquias tomaria assim proporções alucinantes, com algumas peças a atingir valores incalculáveis.


Em pleno século XIX um principe das nossas letras, Eça de Queiroz (1845-1900), publica a Relíquia (1887), pequena obra-prima de humor e crítica social, tão raro nas nossas letras. O universo português, conservador e beato, e de uma asfixiante estupidez, emerge destas págínas intemporais...
Recordo Eça de Queiroz nesta entrevista de Carlos Loures.

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