sexta-feira, agosto 05, 2011

Portugal ou Texas? Inquisição ou pena de morte? Ou ambas?

Uma grande reportagem da RTP1 dava conta do calvário que sofrem duas mulheres que casaram uma com a outra, ao fim de anos de luta para o conseguirem. Casaram, é como quem diz. Foi no registo. E como toda a gente sabe, no registo não conta para a Igreja. Casais hetero só casados pelo registo nem sequer têm direito aos sacramentos. Portanto, vamos a deixar a Igreja de fora, e se a Igreja quiser ser honesta, fique de fora também. A César o que é de César.
Registado portanto e pelo civil esta união de facto, o mundo saudou a abertura que o país demonstrava ter na evolução das mentalidades locais. Elas estava radiantes. Mal sabiam no que se estavam a meter.A vitória pírrica obtida, mais atenção global que a coroou, conseguiu-lhes cadastro em todas as sacristias deste abençoado rincão. Uma tragédia.
Assim, a população logo que as detecta, tem podido persegui-las impunemente, descaradamente e sem quaisquer consequências. Já perderam vários empregos. Mudam constantemente de casa. Quando conseguem um lugar nas limpezas, ou nas caixas de um super-mercados, ou a servir às meses de uma tasca qualquer, correm-nas com a desculpa que a sua presença causa «falatórios» entre os colegas. Das casas que alugam, são sistematicamente corridas, porque os senhorios, pelos vistos, têm medo que o lesbianismo seja um virus que se pega, aliás como a homosexualidade em geral...
Infelizmente, a maior praga humana que existe é a estupidez, uma malformaçao parcialmente genética, parcialmente adquirida. E pega-se, sim senhor. Só por muita estupidez é que em nome da moral (qual delas?) se tem vindo a acossar estas mulheres como animais perigosos. Em bolandas pelo norte do País, a RTP foi encontrá-las a passar fome, numa situação aflitiva,  assustadora. E tão humilhante para todos nós.
Vivemos numa sociedade que, mal ou bem, convive serenamente com pedófilos - não consta que os mesmos sejam corridos das suas casas. Aliás, grande parte dos pedófilos é aparentemente «normal». Casam e procriam. Outros, vêm das fileiras do clero. E em nome do perdão, foram ao longo de séculos (exacto, os arquivos históricos também registam a sua actividade...) «admoestados» quando muito. Em todo o caso, as vitimas eram ameaçadas de excomunhão se os denunciassem fora da Igreja... que os mantinha no mesmo posto e à mercê das suas próprias pulsões sem freio.
Vivemos numa sociedade onde o ranking de violência domestica sobre as mulheres e as crianças é aterrador. Já era, só que agora consta dos autos. Sabemos mais ou menos quantas morrem por ano. Este, que ainda não acabou, já vai na 40ª assassinada. Mas nem os padres nos púlpitos, nem as beatas nas suas rondas pavorosas de intriga e má lingua, se assanham contra eles. É destino, é vontade de Deus? O facto é que não são corridos das suas casas, dos seus empregos, das suas freguesias.
Voltemos ao princípio. Duas mulheres amam-se. Andam de mão dada. Assumem-se como casal. O que temos nós a ver com isso? Honestamente, o que é que isso nos afecta?
Resposta estúpida, primária: ai, meu Deus que o mundo está perdido. Reacção, estúpida e primária: toca a destruí-las de todas as maneiras legais, ou nem por isso.
Mas afinal o que esconde esta reacção tão primitiva? Quem tem medo da diferença? Que diferença faz que as pessoas que se amam sejam do mesmos sexo, ou de sexos diferente, da mesma raça ou de raças diferentes, com diferença de idades, ou da mesma faixa etária, ou seja lá o que for que se afasta dessa aberração a que se chama a «normalidade»?
Deus castiga? Sério? Então deixemos ao Senhor o cuidado de executar essa tarefa. Mas já agora, encomendemos-Lhe outros demónios para exorcizar e castigar severamente. O da maldade, o da intriga, o da inveja, o da calúnia. E peçamos-Lhe ardentemente que nos livre do pior de todos. O que goza com o sofrimento alheio, considerando-se na sua estúpida e incomensurável arrogância, detentor único da verdade.
Os puros, escolham lá  o raio da pedra para lhes atirar.
Conhecem algum? Onde está, onde está, onde está?

1 comentário:

Anónimo disse...

Incrivel. Um pais pioneiro no mundo a descriminalizar a posse de drogas tem por outro lado estas contradicoes. Pensei que as mentalidades estivessem a mudar em Portugal, mas pelos vistos ainda temos muito que caminhar. Eu cresci descriminada no liceu por o meu pai ser homossexual. Estavamos nos anos 70, ou seja no seculo passado. Tenho uma ideia do que estas senhoras estao a passar e estou solidaria com elas. Artigo brilhante Manuel, como sempre!
Mozzaic