terça-feira, novembro 20, 2012

Henrique VIII o mais famoso serial killer da história?

Um homem que casa seis vezes e manda matar três das suas mulheres não é digno de figurar na lista? Com efeito, este lamentavelmente famoso rei de Inglaterra casou seis vezes e mandou matar três das suas mulheres, nomeadamente Catarina de Aragão, a primeira, Ana Bolena, a segunda, e a quarta, Catarina Howard. A primeira foi envenenada. As outras duas, decapitadas. Cruzei-me algumas vezes com este ser, por causa da «minha» Isabel de Portugal que se envolveria  diretamente num assunto que, nos primeiros anos da década (1530) afectava o mundo católico e muito particularmente a família real espanhola. A ultrajante questão da nulidade do casamento que Henrique VIII queria decretar contra a sua esposa Catarina de Aragão, tia carnal de ambos os imperadores como irmã que era das suas respectivas mãe. 




A questão arrastava-se oficialmente desde 1528 quando Henrique VIII começara a pressionar o papa para este lhe conceder o divórcio, mas o problema começara antes, na Primavera de 1527, quando o rei de Inglaterra começou a alegar que vinte anos atrás fora praticamente obrigado a casar com infanta espanhola, viúva do seu irmão, a quem sucedera na herança do trono. Ao mesmo tempo que continuava a insistir com o santo padre que lhe anulasse urgentemente o seu casamento. Mas Clemente VII não tinha a menor vontade de se incompatibilizar de novo com Carlos V, que lhe causava um medo irreprimível. Assim, e tratando os enviados do monarca inglês com toda a solicitude, Clemente VII invocara a gravidade do negócio para pedir «paciência e tempo» ao impaciente soberano. A resposta do Santo Padre enfureceu o rei de Inglaterra, tão «cego» que estava pelos amores de «uma Ana Bolena» – palavras de Prudêncio de Sandoval – que «perdeu o juizo e razão de cristão» e «de abismo em abismo, até despenhar-se no mais profundo», negou a fé católica, «repudiando a rainha dona Catarina sua mulher, tia do imperador e infanta de Castela que segundo a opiniao de muitos era uma santa», mas que aos quarenta anos jamais iria produzir o herdeiro masculino que Henrique VIII tanto desejava. E Ana Bolena, o cerne de todo este aparato teológico, para quem o lugar de amante real estava demasiado abaixo das suas perspetivas[i] pressionava-o.

No princípio de 1530, o governo inglês enviou a França uma embaixada extraordinária, a pedir o apoio de Francisco I à causa de Henrique VIII. Este, que não queria abertamente afrontar Carlos V prometeu secretamente apoiar o caso até poder fazê-lo às claras. Mas em Paris, na Faculdade de Teologia – bem como noutras universidades, nomeadamente em Itália e na Alemanha –, o assunto tinha sido bem acolhido junto de numerosos teólogos apesar da oposição tenaz de dois doutores espanhóis, Garay e Moscoso, e do síndico do Colégio de Teologia da Sorbone, Noel Beda, pelo que a 7 de Junho o «Grande Assunto» foi novamente debatido em Paris. As discussões culminaram em distúrbios generalizados e num protesto enérgico dos embaixadores ingleses junto do rei de França que, furioso, escreveu uma carta ameaçadora à Sorbonne: qualquer consulta ao papa sobre esta matéria constituiria uma violação aos direitos e privilégios do rei. A orientação régia foi tão esclarecedora que a 2 de Julho de 1530, por 53 votos contra quarenta e sete, ficou decidido que lei alguma, fosse divina ou natural, permitia que o papa proclamasse uma dispensa autorizando um homem a casar com a viúva do seu irmão. Por esta razão, o casamento de Henrique VIII com Catarina de Aragão era nulo e ilegal.

É sob a pressão deste formidável jogo de influências, que a 8 de Julho de 1530 Carlos escrevia à imperatriz, informando-a das últimas manobras do rei de Inglaterra e dos apoios que já conseguira reunir recorrendo a universidades, teólogos ingleses e letrados. Juntamente com a sua carta seguia uma breve relação do caso, para que nas universidades de Aragão, Valência e Catalunha, e junto de teólogos e juristas, se estudasse a matéria com muita diligência e se colhessem pareceres e votos assinados[ii] A resposta veio célere, com os teólogos, os canonistas e os moralistas mais exímios a escreverem «sábias alegações» que levaram à Santa Sé. O padre dominicano Francisco da Vitoria, um dos mais requisitados pregadores, demonstrou cabalmente que «casar-se com a mulher do irmão defunto não está proibido por lei natural; e casar com a viúva do irmão morte sem sucessão, como no caso dos reis ingleses, nunca esteve proibido no direito divino da lei velha[iii]»

Na verdade, sendo o casamento um sacramento indissolúvel, o divórcio tal como viria a ser concebido em tempos muito futuros, não era admissível na época de Henrique VIII. Então, quando um homem queria ver-se livre da sua mulher sem a matar, tinha de provar que o seu casamento nunca fora válido nem bom, o que acontecia com assaz facilidade. Brewer cita o caso do duque de Suffolk que por duas vezes cometeu bigamia e por três vezes se divorciou, e que começou por casar com a sua tia e acabou por desposar a sua nora. E este caso não era nada excepcional durante os reinados de Henrique VIII e Eduardo VI. Aliás, a 11 de Março de 1528 Margarida Tudor da Escócia recebera de Roma a sentença de divórcio do seu casamento com Archibald Douglas, conde de Angus[iv].
[continua…]







[i] Friedman, op. cit., I, 45
[ii] Vales Failde, op. cit., 316-317.
[iii] Vales Failde, op. cit., 319.
[iv] Brewer, Letters and Papers of Henry VIII, cit. em Friedman, op. cit., I, 48-49 e 50.

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