A Beira, a «cidade do futuro» como lhe chamávamos então, foi uma experiência singular e uma história adiada. Ainda hoje tenho entalado na garganta aquele deslumbre a que só consegui aflorar na ponta dos dedos e em olhares cruzados, como quando ia à praia do Macútie e me perdia na contemplação do Índico. Em 1967, a cidade explodia de vitalidade, como se quisesse compensar os tempos letárgicos dos antiquíssimos pantanais, finalmente assoreados em pleno século XX, que durante séculos afastavam das suas terras insalubres os colonos menos afoitos.
Só que entretanto, tive de voltar a Tete. Motivos pessoais e familiares, de força maior. Os estudos ficaram adiados, a Beira ficou adiada e...tudo o resto, o liceu, os amigos e amigas que fugazmente criei, desapareceram. Porém, quando comecei a reviver a episódica passagem, uns escassos meses, pela segunda cidade de Moçambique, encontrei mais do que esperava. Para começar, os quotidianos de algum modo surreais que me acolheram, no cenário de uma casa de amigos de amigos de conhecidos da nossa mãe, para onde fui, por assim dizer, «desterrada», a fim de que a minha cândida adolescência não fosse contaminada pela sedução diabólica daquela urbe tão sedutora.
Passagem breve. Muito breve. Nunca imaginei que deixasse tão forte recordação. Depois...
Hotel Capri, foto:Augusto Ferreira. |
Só que entretanto, tive de voltar a Tete. Motivos pessoais e familiares, de força maior. Os estudos ficaram adiados, a Beira ficou adiada e...tudo o resto, o liceu, os amigos e amigas que fugazmente criei, desapareceram. Porém, quando comecei a reviver a episódica passagem, uns escassos meses, pela segunda cidade de Moçambique, encontrei mais do que esperava. Para começar, os quotidianos de algum modo surreais que me acolheram, no cenário de uma casa de amigos de amigos de conhecidos da nossa mãe, para onde fui, por assim dizer, «desterrada», a fim de que a minha cândida adolescência não fosse contaminada pela sedução diabólica daquela urbe tão sedutora.
Passagem breve. Muito breve. Nunca imaginei que deixasse tão forte recordação. Depois...
«Mais
uma vez, o chão desaparecia sob os meus pés, como se, na sua inconstância
geográfica, o meu mundo se estivesse a transformar numa espécie de
caleidoscópio partido e fantasmático. Ou num imenso e labiríntico corredor
cheio de portas fechadas por onde eu deambulava sozinha num sobressalto de
pássaro engaiolado. Nessa época ouvia Amália e chorava, ouvia José Afonso e
chorava, ouvia fados de Coimbra e chorava, ouvia Adriano Correia de Oliveira e
chorava. Às escondidas, evidentemente. E pensava que, «se uma gaivota viesse
trazer-me o céu de Lisboa, no desenho que fizesse…», talvez eu encontrasse a
chave de um mundo mais imutável do que aquele por onde me deslocava. Um mundo
com um espaço a que pudesse chamar meu
e onde me fosse possível, por privilégio e sem perder as asas, ganhar raiz.
Só
que, e em vez da gaivota, chegou o medo.» (em Moçambique para a mãe se lembrar como foi».
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