A primeira vez que ouvi este poema de Manuel Alegre cantado, não me lembro se por Manuel Freire se por Adriano Correia de Oliveira, foi em Vila Cabral. Era uma música proibida, que toda a gente ouvia e sabia de cor. Dava muita vontade de chorar - nós estávamos rodeados de 'Pedros soldados' que viviam no quartel da cidade e nos múltiplos e improvisados quartéis do mato para onde iam e de onde voltavam em colunas militares. Nas grandes cidades como a Beira e Lourenço Marques, e até quase ao final da década (68-69), eram muito desvalorizados. Foi preciso o jornalista Guilherme de Melo... com o fotógrafo Carlos Alberto começarem a correr as zonas de guerra relatando e ilustrando quotidianos tremendos num conjunto de grandes reportagens publicadas no Noticias de LM, para as populações citadinas acordarem para o sacrifício de sangue que estava a ser exigido àqueles miúdos de Trás-os-Montes, Beiras, Alentejo e Algarve. Jovens que dos becos de Alfama e das ruelas da Mouraria, e do cais da Afurada, e das ruelas da Sé do Porto, enfim, de Portugal Metropolitano inteiro, que desaguavam nas desconhecidas Províncias Ultramarinas para estancarem, nos matos da guerra, a imparável muralha da guerrilha.
Para nós, os que vivíamos lá onde tudo se passava - Niassa, Tete, Cabo Delgado - nada do que as reportagens traziam era surpresa. Mas foi reconfortante ver estabelecida a justiça. Afinal os «pretos», os «turras», não eram tão burros e incompetentes que só por cobardia e indolência não tínhamos resolvido o 'assunto'. Afinal, a guerrilha era um assunto seríssimo. Afinal, os soldados não morriam todos de acidentes nas viaturas que mal sabiam conduzir. Afinal o inferno existia e eles estavam lá. Os 'Pedros Soldados' de olhar vidrado de solidão e dor de quem viu morrer camaradas, de quem recebeu de raspão o beijo da morte, de quem estourava de sede, de fome, de medo nas longuras de um território desconhecido e hostil. E onde, mesmo assim, eles aguentavam. Heroicamente, sim. Não tenhamos medo das palavras.
Julgo que ainda hoje, pelo menos aos olhos dos antigos guerrilheiros e reconhecidos heróis moçambicanos, os soldados portugueses da Guerra do Ultramar são mais respeitados do que pelas nossas autoridades de há décadas. Até porque a medida do herói é a medida do seu inimigo. Desde o rescaldo da mítica Guerra de Tróia que esse respeito misturado com veneração entre antigos inimigos mortais que se guerrearam até à morte, foi estabelecido no cânone da literatura imortal.
Fontes para aprofundar o tema (citadas em Moçambique para a mãe se lembrar como foi)
– Guerra Colonial 1961-174 –
– Centro de
Documentação 25 de Abril/Universidade de Coimbra
– Dos Veteranos da Guerra do
Ultramar – Angola-Guiné-Moçambique-Cabo-Verde-Índia-Macau-São Tomé e
Príncipe-Timor 1959-1975 http://ultramar.terraweb.biz/index.htm
– GIL, Fernando,
Moçambique para todos,
– GIL, Fernando, Macua de
Moçambique,
– MARTINS, José
Batalhão de Caçadores 1891,
http://bcac1891.blogspot.com/ (requer permissão para consulta).
– SANTOS, Joaquim Olhar
o Passado
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