segunda-feira, janeiro 23, 2012

Os escrúpulos de alma de Henrique VIII

Um extracto.
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A questão arrastava-se oficialmente desde 1528, quando Henrique VIII começara a pressionar o papa para este lhe conceder o divórcio, mas o problema começara antes, na Primavera de 1527, quando o rei de Inglaterra começou a alegar que vinte anos atrás fora praticamente obrigado a casar com infanta espanhola, viúva do seu irmão, a quem sucedera no trono. Agora, tanto tempo depois, o rei de Inglaterra «sentia escrúpulos» por esta união, que para alívio da alma precisava de dissolver.

Lavada em lágrimas, Catarina ouviu esta arenga num misto de indignação, desgosto e vergonha, limitando-se declarar ao marido que enquanto vivesse se consideraria como «a verdadeira esposa legal do meu rei e meu senhor» – conforme escreveria depois ao seu sobrinho Carlos V quando a questão extravasou fronteiras.

Por essa altura, Henrique já pedira oficialmente ao santo padre que lhe anulasse urgentemente o seu casamento. Mas Clemente VII, que acabara de se instalar em Orvieto depois de meses de reclusão no castelo de Sant’angelo, não tinha a menor vontade de se incompatibilizar de novo com Carlos V, que lhe causava agora um medo irreprimível. O imperador era senhor de várias possessões em Itália, onde permanecia o seu poderoso exército, e Henrique VIII era rei de um reino muito distante, sem ligação aos Estados italianos. É verdade que prometia ajuda e dinheiro aos cofres da Santa Sé. Mas estas e outras promessas, subscritas pelos monarcas da Santa Liga, apenas tinham valido ao papa sete meses de uma deplorável prisão, no cerne de Roma saqueada e violada. Assim, e tratando os enviados do monarca inglês com toda a solicitude, Clemente VII invocara a gravidade do negócio, pedindo «paciência e tempo» ao impaciente soberano.

A resposta do santo padre enfureceu o rei de Inglaterra, tão «cego» que estava pelos amores de «uma Ana Bolena» – palavras de Prudencio de Sandoval – que «perdeu o juizo e razão de cristão» e «de abismo em abismo, até despenhar-se no mais profundo», negou a fé católica, «repudiando a rainha dona Catarina sua mulher, tia do imperador e infanta de Castela que segundo a opiniao de muitos era uma santa». [i] Não terão pesado apenas os amores, que muito peso tiveram. Catarina, com quarenta anos, jamais iria produzir o herdeiro masculino que Henrique VIII tanto desejava. A única solução era livrar-se daquela mulher que em tempos o subjugara com a sua autoridade e que agora apenas o aborrecia, para alcançar a descendência no ventre tão jovem da sua amada Ana Bolena.
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[i] Sandoval, Historia de la Vida y Hechos del Emperador Carlos V, I parte, Lib. XVI, Cap. xxv p. 892.

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