quinta-feira, maio 31, 2012

os virus são muito inteligentes

Disse o meu amigo, acabado de chegar de Machu Pichu. Não foi durante esta viagem que chegou a semelhante conclusão. Em Janeiro, já mo tinha dito com todas as letras:
- Os virus são intelegentíssimos. Têm o mesmo ADN que nós. Entendem a nossa linguagem e tudo. Mudam, adaptam-se, transfiguram-se. Retirá-los é obra porque eles são uns sonsos, fazem de conta que sim, que desapareceram, e vão alojar-se noutro lado, com outras formas. E tornam-se, por assim dizer, invisíveis. Se não sabes onde procurar, nem como, não vês, certo?

A seguir confirmou que sim, falava com eles. Melhor, dá-lhes ordens. Que é como quem diz, manda-os embora. Lá com a técnica dele. Quanto às bactérias, fungos, e outros seres igualmente muito mais do que liliputianos, não vale a pena dirigir-lhes a palavra. Não entendem seja o que for. É acabar com eles, ou seja, retirá-los do sistema. Lá com a técnica dele.
Depois, falou-me de Cuzcu e Machu Pichu. Não lhe disse nada, mas andei por ali, há uns meses, por livro de crónicas com alguns séculos. Não dizendo directamente respeito à história que estava a escrever, tinham ponto de contacto com a vida da rainha que eu biografei, e que, como é evidente, nunca lá pôs os pés. Nem ela nem o rei. Dali só queriam o ouro que lhes chegou em toneladas.
Não lhe disse nada, porque só queria era ouvir o que o meu amigo tinha e tem para dizer. É sempre tão fantástico.
A minha imaginação que é uma doida, perante pessoas assim fica de boca aberta.

créditos imagem: http://www.livescience.com/3338-protective-shell-virus-imaged.html

terça-feira, maio 29, 2012

os meus sonhos

Há anos que não lhes presto a atenção que merecem e por isso estão confusos e tão fragmentados, pelo menos quando acordo, que não é possivel, ao fim de uns minutos, reconstruí-los com o mínimo de lógica.
Destas noites longas onde o sono me cobra os atrasos às 10 e 11 horas de cada vez, recordo um homem muito triste, e outro homem muito sério. Como foi em sonhos distintos não sei se são o mesmo. Uma porta que muita gente estranha quer arrombar. Um cão negro que parece muito mais ameaçador do que se revela ser. Tem uma coleira de picos. Uma pistola que não dispara tiro nenhum. Uma viagem por um território estranho, que me deveria ser familiar, porque no sonho é ali que vivo.
Entre o adormecer e o acordar, uma muito quente e obcessiva assombração.
Chama-se África.

segunda-feira, maio 28, 2012

Metamorfoses

Tanto tempo a sonhar com este momento. Depois, fica-se à espera da imensa sensação de alívio. Mas só aparece o vazio.
Este vazio é um vazio estranho.
O alívio só chega depois, e sempre com atraso. Entretanto, vai ter expulsar o desconforto. É que nunca, mas nunca, ficamos absolutamente convictos de que a última palavra foi escrita. Não numa biografia. Neste momento, umas quantas ideias gemem de desgosto por não terem tido tempo de antena. Umas chatas, que me esforço por ignorar.

sexta-feira, maio 18, 2012

Depois da meia-noite, quando «eles» acordam

É preciso ter muito cuidado com o que se diz. E o tom em que se fala. Sobretudo, dentro de casa. E mais ainda, quando a televisão está desligada. Porquê? Oh - respondeu ele, como se estivesse a repetir uma verdade axiomática, daquelas que se aprendem nos bancos da escola - porque «eles» acordam.
«Eles?» - na sala pouco iluminada,  com a lua a entrar pela janelas, um vento frio desalinhou as vogais e consoantes do diálogo tornando-o bastante absurdo. 
«Eles. Os espectros.»
«Ah. Oh. Bom...»
«É verdade. Adoram o som da voz humana. Sobretudo alguns timbres. Não me perguntes quais nem porquê.»
Eu não perguntei nada. Eu não queria perguntar nada. Ou por outra, queria mas nem sabia bem por onde começar. Às vezes, quando estou com ele,  volto à infância das maravilhas e dos pavores. Descontando o efeito contos-de-fadas, há sempre a possibilidade de algumas destas  informações míticas, psicadélicas ou surreais, me aparecerem depois nos sonhos, a fazerem de conta que são de verdade.
E esses sonhos, ai, são pesadelos.

quarta-feira, maio 16, 2012

Não perguntem ao criador qual é o seu sexo


Aquela mulher nua a correr por uma praia de fim de mundo, a criança que nada em seu ventre, a gaivota que grita no ar parado da manhã, o monstro insone sob as águas serenas, lá tão no fundo que ninguém suspeita da sua existência a não ser os deuses que o criaram e lhe perderam o rasto numa refrega olímpica em que todos perderam alguma coisa. Aquele velho que foge da gárgula de pedra da igreja, descobrindo aterrado que no templo onde pensava ir encontrar a paz do fim dos seus dias, as estátuas, do bem e do mal, tinham todas vida. Aquela família que foge pela estrada em chamas. Aquela dança na sala dos espelhos, onde todos parecem voar. O navio descomunal marcado de naufrágio, de onde os passageiros sem destino nem salvação se atiram para as águas, ou para as chamas de uma caldeira, enquanto nós, amor, no último momento, somos erguidos por um vento fantástico que nos aspirou para dentro de outro sonho. Aquela floresta de sinais equívocos, porque nela todas as árvores se movem. Os animais que a povoam. Todos.

E o palácio sepultado sob as areias de tantos séculos, onde nós os dois, amor, encontramos a tapeçaria das nossas vidas, uma infinidade de rostos que são os nossos rostos ao longo das eras, usados em vidas longas ou curtas, de histórias tão díspares. A casa do pão, onde me escondi do peregrino, e onde a mulher de braços fortes, colo de mãe e cheiro a farinha nova, me abraçou chorando de pena por eu não me lembrar dela que se recordava de mim em todas as nossas vidas passadas e futuras. A criança a rir no chão de malmequeres e relva cortada. O menino a chorar de solidão num berço que se embala sozinho. Os animais, as plantas, as estrelas, os sóis e os céus. As histórias completas, esboçadas, esquecidas, transportadas em sonhos acordados, adormecidos, ou arrumadas em lado nenhum. A mulher louca, a mulher loura, a mulher má, a mulher morena. A nova e a velha. A rainha e a mendiga. A bonita, a feia, a medonha, e a que de tão banal nunca ninguém lhe recorda rosto ou nome. O homem forte, o homem fraco, o homem bom e o homem mau, o grande e o pequeno, o oriental e o ocidental. O negro. A negra. A multidão, as multidões. Os jovens, as crianças, os poderosos e os famintos, os santos e as santas e os demónios, e os simplesmente esquecidos de tudo – que são quase todos.

Essas, essas, isso, aquilo, sou eu. És tu. Somos nós. Somos nós, amor. E ao sermos nós, somos mais do que eu e tu, somos tudo no efervescente mar da eternidade.

Não perguntem ao criador qual é o seu sexo.

segunda-feira, maio 14, 2012

O fim é mesmo fim?

Dificil dizer. Quando se esteve tão próximo durante tanto tempo, talvez não se apliquem as mesmas regras. Há mais de três anos que esta mulher anda comigo para todo o lado. Há mais de dois que invadiu a minha vida, levando-me a invadir a dela. Tentei saber tudo quanto era possivel saber-se a seu respeito. Vi-a crescer, e superar-se. Vi-a apaixonar-se e ser retribuída. Receber honras e carícias e desestimas e afrontas e vénias. Gastar fortunas na sua Casa. Adoecer de febres misteriosas e recuperar das doenças e dos tratamentos médicos que a sangravam até à inanição. Acompanhei os seus partos, as suas dores, mesmo as piores, que é quando um filho parte, e ela viu partir vários. Senti o desgosto das suas saudades, e o peso do poder que desabou sobre ela nas ausências do marido tão ausente. Ouvia-a chorar. Várias vezes. De solidão e agonia.
Quase que fiz contas, como elas as fez, uma e outra e outra vez, a avisar o rei do ouro que minguava e desaparecia nos cofres exangues do reino, para ir alimentar o caudal das guerras, enquantos as riquezas verdadeiras se hipotecavam nas mãos dos banqueiros. Insaciáveis banqueiros.
Vi-a morrer, estive ao seu lado. Ouvi os prantos que se fizeram por ela. Muitos. Tantos que até os cronistas se espantaram.
Chorei a sua morte.
Recuperei da sua memória o que havia ainda recuperar. Poemas, romances, lendas. Muita fantasia e pouca verdade. Visitei os seus retratos. Li o seu testamento, acompanhei o féretro.
Revivi-a.

Agora, o trabalho é de detalhe. Mas mesmo assim, não consigo mantè-la à distância.
Até quando? Pelas minhas contas, duas semanas.
Mas serão estas as contas dela?

segunda-feira, maio 07, 2012

Parábolas do amor perfeito

O amor perfeito não tem definição possivel. As palavras perdem dimensão na radiância da sua luz. Os encontros fazem-se de eternidades. Os desencontros são ilusões. O fim é apenas outro termo para designar mutação. E sempre é para sempre.