quinta-feira, outubro 30, 2014

Os sinais


Mais um trecho do meu livro Xerazade - a última noite  MG
«Presta atenção aos sinais. Vou escrever-te cartas, vou mandar-te mensagens, vou cantar para ti enquanto estivermos longe um do outro. Não será por muito tempo, prometo-te. Entretanto, usarei os mais improváveis mensageiros, de modo que tens de estar atento. Aquela abelha, aquela formiga, aquele voo de pássaro, aquela nuvem, aquele cintilar de estrelas, podem trazer-te as minhas palavras, o meu riso cruel, o meu choro inconsolável, os meus gemidos de gata assanhada de amor. Fizemos esse jogo tantas vezes, lembras-te? E aprendemos a dominar as suas regras, porquanto a porta do caos é o portal de uma ordem secreta patente aos olhos de todos os que quiserem ver. É a partir de agora que vamos estar verdadeiramente juntos. Se ao menos percebesses quanto.


―Não posso viver sem ti, querida.
―Sabes que não posso ficar contigo.

― És a minha alma. Como se pode viver sem a  alma?
― Não te iludas, amor. Já nos despedimos tantas vezes. É só mais uma
[...]»

Manuela Gonzaga, em Xerazade - a última noite, Lisboa, Bertrand, 2015

quarta-feira, outubro 29, 2014

Partidas e chegadas ao aeroporto de Lourenço Marques

O J. Fróis não tem televisão - muitos de nós já não têm - apesar de já lhe querem ter oferecido vários magníficos plasmas. Motivo? Ficava a olhar o dia inteiro para aquilo e não fazia (quase) mais nada. Disse-me ele. Como eu o entendo. A caixinha é viciante. Mas o João também não tem espaço nas redes. E  há mais de um ano que deixou até o blogue que, ao que que parece, era muito visitado. Motivo? Ficava agarrado àquilo e não fazia mais nada.

O JF é artista e faz mil e uma coisas - pinta, por exemplo, e eu sei que vou gostar muito de ver os quadros dele. Não nos vemos há décadas, e, curiosamente, encontrámo-nos graças às redes. Uma amiga minha e dele, que anda por aqui, felizmente!, encontrou-me. Depois, ofereceu-lhe o livro Moçambique para a Mãe se lembrar como foi, onde o J. Fróis aparece em vários episódios. Fomos companheiros de letras, camaradas de trabalho portanto, no jornal Notícias de Lourenço Marques, onde debutei na mais apaixonante das profissões. O jornalismo. Assinámos reportagens juntos e tudo - que eu redescobri, divertida, comovida, maravilhada, quando andei pela BN a ler jornais de época, sobretudo o Notícias, na minha pesquisa para o livro.


 Sede do jornal Notícias em Lourenço Marques, na esquina das ruas Joaquim Lapa e da Maxaquene
[cortesia The Delagoa Bay World]


Troca de emails, e mensagens no FB para aqui e para ali, eis que o J. Fróis e apareceu em boa hora no meu telemóvel e desatámos a rir e a falar como se nos tivéssemos visto anteontem pela ultima vez. Para meu grande alívio, descrições de eventos e até de espaços, e em que ele entrava, e que evoco no livro, e que nalguns casos foram apoiada apenas na minha memória, estavam certas. Rigorosamente certas. Aliás, foi com muita alegria que o ouvi registar, a propósito da investigação à volta de tudo o que escrevi agora sobre os nossos dias de ontem: «O trabalho que tiveste!!» - disse.

Naturalmente, O Fróis não se recordava do episódio em que eu o encontrei e perdi e reencontrei e perdi e reencontrei no aeroporto da então LM, no meu trabalho de reportagem que tinha por titulo «Chegadas e Partidas». Era um trabalho muito básico, próprio da repórter estagiária que eu era. Saber para onde iam e de onde vinham e eventualmente porquê, os famosos que chegavam e partiam à capital da Princesa do Índico. Famosos que eu não conhecia de lado nenhum. Nem de cara, nem de nome. Sempre fui uma outsider... portanto não houve reportagem.

O Fróis, que encontrei para meu imenso alivio e que prometeu ajudar-me nesse terrível transe, transformou-se em Gato de Alice no País das Maravilhas e não me foi de utilidade alguma. Ora ali, e naquelas circunstancias, ele era o único famoso que eu conhecia. E era famoso, porque era meu amigo. Os outros, nem as caras conseguira reter, apesar de estarem dia sim, dia não, plasmadas nas primeiras páginas do jornal onde eu trabalhava, e que, de resto, não lia. Digo, a parte chata. A parte politica do regime - com os discursos e tal.
Ah, Fróis que bom ter-te reencontrado. Afinal, não inventei. Eu sabia, mas... quando contamos a nós próprios as mesmas histórias vezes sem conto, simplesmente porque não há ninguém para as ouvir, chegamos a ter dúvidas onde começa a imaginação a invadir as nossas verdades. Tento sempre, mas sempre, na vida, traçar a fronteira. Quando somos um pouco loucos, é preciso ter-se muita atenção aos pormenores. É assim que sabemos quando estamos a sonhar e quando estamos acordados. É assim que nos mantemos à tona destas turbulentas águas.

É que bem basta o que basta.

Nota: The Delagoa Bay World foi um dos blogues fundamentais na minha pesquisa pelas redes sobre os tempos dos nossos dias de ontem.

quinta-feira, outubro 23, 2014

Continuo no PAN

Primeiro pensei - também vou sair (do PAN)! Depois pensei: mas os animais não podem fazer o mesmo (nas suas vidas). Nem a natureza. Não existe Planeta B.

Portanto, continuo no PAN, e apoio o André Silva, pelos motivos abaixo indicados. O ideário da sua campanha, bem como a lista de apoiantes de PAN - Inteligência Colectiva, pode ser consultado aqui.



Com o Timóteo de St. Catarina - freguesia onde foi encontrado, há mais de quatro anos, o cão da minha, das nossas vidas. Como todos os que fizeram e farão parte delas.

 
 
 
Entrei para o PAN, há cerca de dois anos, pela mão de um amigo de longa data,
o Paulo Borges, desmentindo com esta minha filiação uma promessa feita a
mim mesma. A de que nunca me aventuraria pelas águas turvas e traiçoeiras
da vida política. Fi-lo em consciência. Para mim, e, creio, para quase todos nós,
o ideário do Partido dos Animais e da Natureza constitui um maior denominador
comum. Trata-se da defesa de uma «Arca de Noé» num planeta em risco de
soçobrar e, por consequência, da defesa intransigente dos direitos dos animais,
e da natureza, casa-mãe de todos nós.
Abracei portanto uma utopia – e isto é o maior elogio que se pode conferir a
um projecto deste cariz. Assim, quando tomei conhecimento de que Paulo
Borges se afastava inapelavelmente do partido, a minha reacção foi afastar-me
também. Mas o pressuposto inicial mantinha-se: como defender aquilo em que
acredito e tantos de nós acreditamos? Como juntar forças e sinergias para
conseguir pequenas grandes vitórias para a grande Causa das Coisas da Vida?
Assim, no meio desta atormentada transição a minha permanência no PAN
tornou-se inquestionável. A Causa Animal, a Causa da Natureza, a Causa Nossa,
não espera pelo mundo perfeito, pelas pessoas perfeitas, pelo cenário idílico
onde todos seríamos ou seremos seres na plenitude do ser.
Eu não sou.
É por isso que, assumidamente humana e falível, vou continuar no PAN.
É por isso que vou votar, de coração aberto e mente lúcida, no ANDRÉ SILVA,
amigo que ganhei em muitas horas de esclarecimentos, e que me ensinou o
pouco que já aprendi no PAN, contagiando-me com o seu entusiasmo e com a
sua extraordinária capacidade de trabalhar no terreno do concreto, do imediato,
do possível e do necessário. Há tanto para fazer – e o André Silva é um homem
de acção e de reconhecida credibilidade.
Acrescento a pedra de toque que me decidiu. André Silva, sem nunca criticar ou
destruir o trabalho fosse de quem fosse, convenceu-me que continuar é
preciso. E desejável. O projecto da sua candidatura, tão convergente e de uma
enorme serenidade, bem como todos os envolvidos nele, permite-me acreditar
que é este o rumo.
Mais de cinquenta mil pessoas votaram PAN nas últimas eleições. Não temos o
direito de defraudar as suas expectativas. Mas mais do que isso – os sem voz,
os sem direitos, os seres mais frágeis do Planeta, dependem inteiramente do
que podemos fazer e do que temos por obrigação fazer em seu nome. E
consequentemente por nós e pelo espaço que todos partilhamos.
É que não há Planeta B.
Viva o PAN!!
Manuela Gonzaga
Escritora
 

 
 
 
 

segunda-feira, outubro 06, 2014

Num abraço de flores

Mais um extracto do meu próximo livro, cujo titulo e data de lançamento continuam em segredo. MG
Chagall, Marc (1887-1985)
Les Amants sous de Fleurs de Lis
 
[...]
«... há jardins selvagens no pensamento que prefiro não visitar. Mas agora, gigantescas flores de caules tentaculares, pétalas de cetim encarnado, corolas de estames de ouro e odor tóxico, assaltam-me à medida que avanço em direcção às torres. Como se quisessem deter-me. Que romântica, esta tentativa de me prenderes num abraço vegetal, sob o luar que atenua as linhas duras do meu rosto e a nudez do meu trajar. Não preciso de espelho, revejo-me na claridade dos teus olhos. És tão bonito amor, continuas tão bonito. Céus, depois deste tempo todo e ainda me olhas como da primeira vez em que nos vimos, já não sei quando foi, nem como foi, nem onde foi.
Só sei que foi num olhar assim, que tudo começou.

Mas não adianta. Estou fora do alcance desses caules, embora o perfume seja muito tentador. É que tenho mesmo de ir, entendes?»
[...]
 

domingo, outubro 05, 2014

5 de Outubro

Hoje um sonho caiu-me aos pés como um pássaro a arder e quando me curvei para o segurar desapareceu como se nunca houvera existido e, voltando ao seio do Incriado, morreu-me. Nunca me tinha acontecido isto com um sonho. MG