quinta-feira, maio 07, 2015

«O lume que veio das cinzas»

O poeta moçambicano Jaime Rafael Munguambe Júnior enviou-me ontem a sua opinião sobre o meu livro que tem Moçambique no título e no corpo de um revisitar de memórias passadas para memória futura. É um texto belíssimo, o dele, como aliás é tudo o que ele escreve. Mas este, e agora para mim, tem um valor acrescido muito especial. Jaime é negro e eu sou branca. Eu nasci em Portugal, no Porto. Ele é filho da Terra que aprendi a amar como minha, Moçambique. Jaime é mais novo que o mais novo dos meus filhos e a nossa amizade virtual nasceu da paixão, do culto, da Palavra. Ele é genial. Tem o fogo sagrado que habita muito poucos, e para além disso, escreve com todos os sentidos e com todos os elementos. Eu escrevo com o corpo todo, com a mesma alegria e seriedade das crianças que brincam.

Mas as nossas memórias só coexistem, eventualmente, num aspecto: a geografia. Melhor, em dois. Quando o livro saiu e ele leu extractos, escreveu-me a agradecer o amor que demonstrava pelo seu país. Depois, quase um ano depois, enviei-lhe por uma amiga dos tempos do colégio Barroso que continua ligada ao ao seu país, um exemplar de Moçambique para a Mãe se Lembrar como Foi que ele começou a ler.

Aos poucos, deixava escapar alguns comentários. Como por exemplo, este:

«Neste momento, não sei dizer em que geografia pouso. Porém, me ocorre no cais da lembrança o barco da viagem que outrora subi quando à princípio fui folhear a obra de Manuela Gonzaga, deixando assim as palavras perseguirem os olhos e as pálpebras criarem barulho, não deu tempo para fazer levitar o coração das montanhas. Por isso agora estou dentro do lume que veio das cinzas.» (Jaime Rafael Munguambe Junior, 3/04/20215)

Só um poeta poderia escrever isto: «o lume que veio das cinzas» a propósito de um livro de memórias de um, neste caso, uma escritora que só conhece de palavra dada e trocada e comungada.

Pensei, como é um miúdo negro, educado, universitário, poeta, vai olhar para as minhas recordações de branca, que por pouco privilegiada que fosse, viveu o privilégio? Pois foi assim que Jaime Rafael Munguambe Junior olhou, e eu chorei ao lê-lo e não tenho palavras para agradecer a beleza e a ternura do seu comentário:




«Puxado pelo destino e seduzido pelo exorcismo da palavra, tive o ensejo de pousar num telhado literário, inter e pluribiográfico de uma autora que reside no coração do tempo, respira nos palácios das magias, arranca a luz que a hora plantou outrora na geografia moçambicana, mescla os momentos dentro da sombra que o presente tem e colabora com a imortalização dos dias. 

Falo-vos da Escritora Manuela Gonzaga, a máquina tricótoma e humana, que tive e tenho a chance de conhecer a cada dia, no oásis artístico das tertúlias. Na obra Moçambique Para se Lembrar como Foi o passado não é um mero lugar onde habitam as cinzas do fogo aceso pelo presente, é uma prateleira onde cada um é fonte que gera lendas, fonte onde jorra a sabedoria da vida. Digo isso, não pela largura do riso que se abre as duas laudas do rosto (na fotografia exposta na orelha do livro). Mas pela magnificiência que é a Moçambique para Mãe se Lembrar como Foi'. A autora ressuscita das cinzas o fogo, para expó-lo onde a multidão respira Invernos, onde o reflexos das íris e o deserto dos ouvidos são a essência do milagre. 

Em Moçambique para a Mãe se lembrar Como Foi. Manuela Gonzaga abre a porta e tira todos habitantes da memória, para mostrar ao mundo a soma dos tesouros que se transportam no coração de uma mãe. Que para além de ser apenas a da autora passa a ser de todo leitor que entornar o olhar sobre a obra.

Jaime Rafael Munguambe Junior
Maputo, 06-05-2015 15:08





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