O Serviço de Psiquiatria Geral e Transcultural do CHPL convidou-me para ser oradora do Seminário “Ignorância II – O que é a Doença Mental?”. Aceitei com o maior prazer. É no dia 5 de julho de 2016, no Anfiteatro do CHPL – Pavilhão 11 – sito Av. do Brasil 53, Lisboa. Eis um resumo do que vou apresentar:
Maria Adelaide Coelho da Cunha, uma das muitas «pensionistas» do Hospital Conde de Ferreira, no Porto, permanece sem dúvida como a mais famosa de todas as alienadas que por ali passaram. Falamos de uma senhora de 49 anos de idade que no dia 28 de novembro de 1918 ali chegou, acompanhada do marido, o doutor Alfredo da Cunha, do filho José Coelho da Cunha e de um amigo da família, o doutor Balbino Rego.
Eram duas horas da tarde quando o processo ficou formalizado, passando então a pesar sobre ela o rigoroso regulamento do hospício. Motivo: Maria Adelaide «enlouquecera». De que forma se manifestara a loucura da infeliz senhora? De uma forma que também atingia muitos seres do sexo oposto: tomara-se de amores por um jovem de 26 anos, motorista do casal. E nessa contingência fugira para Santa Comba Dão na companhia do amante.
Resumidamente, Maria Adelaide, nas palavras dos maiores alienistas portugueses, que invocam os maiores cientistas franceses, sucumbira ao jugo da sua natureza feminina. Não o dissera já Hipócrates que a vida da mulher é uma longa, uma continua enfermidade? Como tal, foi interditada. A história não acabou aqui, nem assim, e está documentada em fugas rocambolescas, capturas ainda mais rocambolescas, e novamente a saída pela porta grande que precedeu o desaparecimento desta senhora, "louca por amor", que só aos 72 anos viu ser-lhe retirado o rótulo infamante. entretanto publicou crónicas num jornal e deu ao prelo dois livros. Sempre escondida. Sempre com o seu amor, com quem ficou até à morte. Manuel Claro sobreviveu-lhe alguns anos, mas nunca casou. Ela foi, nas palavras de quem os conheceu, o «amor da sua vida».
Conteúdos e os factos permanecem um pouco por todo o mundo, numas geografias mais do que noutras. A tese da inferioridade feminina, mental, psíquica e biológica é um jugo plurimilenar que ainda estorva as mentalidades. É fundamental revisitá-la, detectá-la, e erradicá-la de uma vez por todas.
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