quinta-feira, julho 15, 2010

Beatriz e o xamanismo cibernético

A Beatriz tem três anos e julga que esta tia, que está em Milão, vive dentro de um computador. Falam pelo skype. Há uma eternidade que isso acontece. Quero dizer, pelos padrões de vida de uma criança tão pequena. Há um ano, ainda mal falava e já trepava para cima da cadeira, as mãos minúsculas agarradas ao rato, à espera que o ecrã se iluminasse com a cara, os gestos, a voz da tia Susana.
Quando isso não acontecia, ficava desolada. Houve alturas em que foi necessário telefonar ou mandar um sms: «liga-te ao skype, a tua sobrinha está de rastos.» Estabelecida a comunicação, ela exultava. Não há outra palavra para defenir a alegria e o assombro em que mergulhava. Quando ela se materializava, a Beatriz não lhe achava a mesma graça. E ainda não acha. Afinal de contas, fora do ecrã é uma tia como as outras.
Agora a Susana está de férias em Portugal e as duas vêm-se com muita frequência. Mas a Beatriz, que ainda acredita que ela é mágica e vive nas misteriosas entranhas de um mackintosh, do qual entra e sai sempre que lhe apetece, só fica verdadeiramente em êxtase quando comunicam pelo skype. Nessa altura, a comunicação entre ambas sobe para outro patamar. É puro xamanismo cibernético.