Recordando Mozzaic, sempre perto mas de momento um bocadinho longe. Em LV.
Ela atravessou a noite medonha num desespero de partir tudo. Ela partiu tudo. Ela cruzou a madrugada pisando sobre os cacos e o caos da sua cozinha. Ela amanheceu sofrendo, mas inteira, sentada e exausta no único canto onde podia sentar-se sem se ferir nos pratos, nos copos, nos azulejos, nas chávenas, nas travessas e nas terrinas, nas malgas, nas jarras.
Tudo partido, escavacado, destruído. Tudo em pedaços.
O percurso artístico dela - um dos, é tão multifacetada que de tudo cria e recria - começou assim. Nesse dia que sem pausa se fez tarde e noite, refez as paredes da cozinha em mosaicos lindíssimos que lhe conferiram alma, reconfigurando o absurdo da sua história. Reunindo os pedaços partidos em desenhos e famílias de formas e cores.
Desde então, o seu toque alquímico transmuta todos os espaços que habita. De Setúbal voou para Glastonbury, dali mudou-se para outra pequena cidade no sul de Inglaterra, de lá partiu para Los Angeles e finalmente aterrou em Las Vegas, onde, às portas do deserto, recriou, uma vez mais, o seu pequeno e mágico oásis.
É que brincaram, sem saber, com o coração dela, quando ela era bem pequenina. E por isso, ficou-lhe o molde do coração partido. Depois cresceu e tudo na vida dela se adequava a esse molde, porque nós imprimimos a nossa matriz, o molde de origem, na irrealidade que nos circunda. E com ela, foi assim até ao dia em que escavacou a cozinha da casa onde vivia, porque e mais uma vez lhe tinham partido o coração, e nessa violência catártica, nesse descer ao fundo do poço, nesse soltar de raivas e dores e fúrias e desesperos, encontrou-se com aquela de si que era a demiurga. A criadora. A feiticeira, a sábia, a velha, a mais velha, a criança, a mais criança.
A partir de então, começou a recompor o mundo à sua volta. A imprimir-lhe um molde novo, redesenhado por si. E é isso que tem vindo a fazer da forma mais espantosa, delirante e errática que se pode imaginar. Juntando à sua volta os mais impensáveis grupos de pessoas, aproximando mundos paralelos, respigando do rejeitado lixo verdadeiros tesouros que, renovados, lhe saem das mãos com novo fôlego, promovendo culturas, partilhando amor e amores e causas justas. Sem máscaras de espécie alguma.
Por vezes, ainda parte tudo, mas o tudo que parte é muito pouco, porque ela está cada vez mais inteira.
Que molde é esse? É o tesouro escondido que só encontramos se mergulharmos em nós, com carácter de urgência. É que todos somos demiurgos, deuses esquecidos da nossa própria divindade. Por vezes, uma bênção disfarçada de maldição, uma tragédia ou uma fulgurante alegria, ao quebrar-nos todas as certezas do incerto viver, recorda-nos a origem adormecida. E acorda-nos se quisermos realmente acordar. Vivamos, pois. De coração aberto a todos os ventos. Se não vivermos assim, não vivemos.
créditos da imagem: Chaos
Ela atravessou a noite medonha num desespero de partir tudo. Ela partiu tudo. Ela cruzou a madrugada pisando sobre os cacos e o caos da sua cozinha. Ela amanheceu sofrendo, mas inteira, sentada e exausta no único canto onde podia sentar-se sem se ferir nos pratos, nos copos, nos azulejos, nas chávenas, nas travessas e nas terrinas, nas malgas, nas jarras.
Tudo partido, escavacado, destruído. Tudo em pedaços.
O percurso artístico dela - um dos, é tão multifacetada que de tudo cria e recria - começou assim. Nesse dia que sem pausa se fez tarde e noite, refez as paredes da cozinha em mosaicos lindíssimos que lhe conferiram alma, reconfigurando o absurdo da sua história. Reunindo os pedaços partidos em desenhos e famílias de formas e cores.
Desde então, o seu toque alquímico transmuta todos os espaços que habita. De Setúbal voou para Glastonbury, dali mudou-se para outra pequena cidade no sul de Inglaterra, de lá partiu para Los Angeles e finalmente aterrou em Las Vegas, onde, às portas do deserto, recriou, uma vez mais, o seu pequeno e mágico oásis.
É que brincaram, sem saber, com o coração dela, quando ela era bem pequenina. E por isso, ficou-lhe o molde do coração partido. Depois cresceu e tudo na vida dela se adequava a esse molde, porque nós imprimimos a nossa matriz, o molde de origem, na irrealidade que nos circunda. E com ela, foi assim até ao dia em que escavacou a cozinha da casa onde vivia, porque e mais uma vez lhe tinham partido o coração, e nessa violência catártica, nesse descer ao fundo do poço, nesse soltar de raivas e dores e fúrias e desesperos, encontrou-se com aquela de si que era a demiurga. A criadora. A feiticeira, a sábia, a velha, a mais velha, a criança, a mais criança.
A partir de então, começou a recompor o mundo à sua volta. A imprimir-lhe um molde novo, redesenhado por si. E é isso que tem vindo a fazer da forma mais espantosa, delirante e errática que se pode imaginar. Juntando à sua volta os mais impensáveis grupos de pessoas, aproximando mundos paralelos, respigando do rejeitado lixo verdadeiros tesouros que, renovados, lhe saem das mãos com novo fôlego, promovendo culturas, partilhando amor e amores e causas justas. Sem máscaras de espécie alguma.
Por vezes, ainda parte tudo, mas o tudo que parte é muito pouco, porque ela está cada vez mais inteira.
Que molde é esse? É o tesouro escondido que só encontramos se mergulharmos em nós, com carácter de urgência. É que todos somos demiurgos, deuses esquecidos da nossa própria divindade. Por vezes, uma bênção disfarçada de maldição, uma tragédia ou uma fulgurante alegria, ao quebrar-nos todas as certezas do incerto viver, recorda-nos a origem adormecida. E acorda-nos se quisermos realmente acordar. Vivamos, pois. De coração aberto a todos os ventos. Se não vivermos assim, não vivemos.
créditos da imagem: Chaos