quarta-feira, julho 21, 2010

África nossa

Ontem um jantar. Três amigas que se reencontraram há muito pouco tempo. A Carmo, a Isabel, eu. E a Marta, que nasceu em Luanda mas veio para Portugal ainda não tinha feito três anos.
Angola omnipresente nas nossas estórias por onde desfilaram pessoas, lugares, acontecimentos. Passaram tantos anos e as recordações, quando as evocamos, permanecem esmaltadas de luz. Até as noites escuras têm um brilho ofuscante quando se reconstroiem nas nosssas palavras e risos. Tantos risos. Rimo-nos mesmo a chorar os mortos, que é a forma como os mortos mais gostam de ser recordados.  Essa é uma das grandes liçoes de sabedoria primordial que bebi em África. Bendita Terra-mãe. A outra é que a vida é uma viagem. Curta. Cabe-nos torná-la esplêndida. Ontem, de novo, esta noção acordou os nossos sentidos.
Há poucos meses, na internet. Crianças e adolescentes retomam laços de proximidade. Temos todos entre 12 e 16 anos e vivemos na cidade mais quente do mundo. Tete, Moçambique, nas margens escuras do rio Zambeze. Há um jardim tropical, belíssimo e sofucante, onde as noites ganhavam uma aura mágica. Uma mesquita, a primeira que vi na minha vida. E um colégio-liceu, onde andamos todos. Ali,  onde o meu pai dá aulas de matemática e fisico-químicas, a minha mãe de música. Estão, os dois, em processo de separação litigiosa. Nao existe divórcio entre «católicos apostólicos romanos». E isto decorre numa terra minúscula onde todos, todos, todos, se conhecem e se encontram todos, todos, todos os dias.
Uma dessas jovens de 14 anos, anda por aí activíssima. Lançou  redes luxuriantes com fotos de antes e depois, restabeleceu contactos, e disponibilizou-os neste cérebro colectivo que é a internet,. Entre blogues e FB transformou-se na guardiã das nossas memórias comuns. Tem vários espaços onde  revemos fragmentos das, dos jovens que somos tantos anos atrás. É a Mimi Teixeira, e aqui fica o link para um dos seus jardins.
Outro encontro FB: na página do colégio D. António Barroso também linkado, onde estive dois anos. Interna. Cruzando os céus de Moçambique, entre Vila Cabral e Lourenço Marques, nos regressos de férias ou de partida para novo período de aulas. Gloriosamente entregue à minha própria pessoa, entre mudanças de aviões e aeroportos, durante um dia inteiro que sabia a liberdade total.
O colégio, porém, tinha grades. Mas a qualidade de ensino jamais esquecerei. Na sua página criada por uma antiga aluna, revejo algumas condiscipulas cujo rasto perdi. A lista cresce cada vez mais.
Não encontro palavras para a alegria destes reencontros todos.

7 comentários:

Isabel Valadão disse...

África Nossa! O que ela nos ensinou, o que lá vivenciámos, as recordações que nos deixou, ninguém no-los tira, ai isso é que não!... Tal como nenhum outro sítio consegue ensinar o verdadeiro espírito da AMIZADE. Bjs

Madalena disse...

Que bonito texto! A parte do Barroso diz-me também respeito. Uma qualidade de ensino que nos serviu para a vida toda. Especialmente nas matemáticas. Digo eu! A Irmã Maria Luísa foi a professora que mais me marcou. Para além dela a Rosário Forjaz(?. Mas eu era traquina e tinha um mundo de problemas de fé e de auto-estima que não me ajudaram a sair do colégio deixando muitas saudades. As grades para mim não limitaram a minha liberdade física. Libertavam a minha liberdade cá dentro. As minhas grades eram os inúmeros pecados de que padecia... Depois falamos mais. Um beijinho imenso!

Manuela Gonzaga disse...

Obrigada, Madalena. É a essas mesmas grades interiores que me refiro sem saudades. As cartas que já chegavam abertas às nossas mãos. O policiamento extemporaneo dos nossos cacifos. A vigilância omnipresente, nos refeitórios, nas salas de estudo, nos recreios. E nós no início da adolescência, que é o periodo mais atribulado da vida de qualquer um :)!!
E sim, a irmã Maria Luisa, tão jovem e tão bonita. E tão austera. E a irmã Rosário, brilhante professora de inglês, com uns fabulosos olhos azuis. Gostávamos tanto de imaginar que elas tinham destroçado corações antes de tomar o hábito, ahaha.

Madalena disse...

A Irmã Rosário destroçou corações depois de sair. Ouvi... Antes, não sei!
Mas a recordação mais sombria que guardo é a do refeitório, frio e emorme, na Namaacha. Faltava-me a minha mãe. Faltava-me um quarto pequeno e a minha cama com colchão "rosidose", os meus brinquedos, as minhas bonecas, os meus vestidos, os meus pijamas. Ali era um número e nas manhãs frias e escuras, as freiras de hábito negro apareciam acordavam-nos com uma sineta. Nem nos deixavam acabar o sonho. Vigiavam a lavagem dos dentes. Acho que já esqueci ou que não me dói a lembrança. Graças à net, sabes?
beijinho

Manuela Gonzaga disse...

A Namaacha!! Nós achávamos que vocês,as mais pequenas, estavam num jardim encantado! Que frio... Em LM, onde entrei aos 12 anos, era só a partir do 2º ciclo. E sim, também nos arrancavam ao sono a toque de sineta:). E os reposteiros de três metros de altura, no nosso dormitório, que as freiras arastavam, salmodiando orações, a rasgarem o escuro com um ruído horrivel.
Ah, Madalena, percebo-te bem. Também não me doiem lembranças nenhumas. Santo deus, fomos umas priveligiadas! Mas isso só percebi mais tarde :) Beijo enorme.

mocambique disse...

Pois é amiga, a parte de Tete diz-me respeito a mim. Efectivamente foram tempos inesqueciveis que me deixaram recordações imensas que procuro sempre partilhar com todos que tiveram o previlegio de viver Africa na sua plenitude.
Referes o meu cantinho que agradeço pois é lá o meu refugio nas horas livres.

Obrigada amiga.
Mimi Teixeira

Manuela Gonzaga disse...

Mimi, o teu «cantinho» como lhe chamas, é um luxuriante jardim tropical que me/nos devolve aroma exótico dos tempos de antes que são de sempre. Tete, tão multicultural, era a cidade das mil e uma noites. E a nossa juventude dourada de asas soltas numa paisagem de múltiplos contornos e um calor de estarrecer. E a guerra, omnipresente no painel quotidiano como se tudo fosse normal.
Obrigada, querida, pelo «teu cantinho» precioso que acorda tudo isto. Bem hajas.