A presença portuguesa em Tete data dos primórdios do seculo XVI.
A cidade, nos nossos dias de ontem, tinha um comércio efervescente, muito do qual concentrado na rua Rafael Bivar onde vivemos durante alguns meses. Para além das duas lojas dos Bega, havia a Socote, a Valy Ossman, a Fersope, a Tulcidás – esta pertencia ao pai do nosso amigo e companheiro de colégio, Rajú, e outras, onde encontrávamos os produtos exóticos que os indianos importavam do vasto e misterioso continente de onde os mais velhos eram originários, e os produtos igualmente exóticos da ainda mais remota China. As sedas, as lacas, os tecidos refulgentes, as missangas de todas as cores, as escamas nacaradas e os vidrilhos das roupas de festa; as porcelanas de Cantão; as arcas de canfora, sempre perfumadas. Os incensos, os perfumes e os unguentos os cosméticos orientais; as loiças; os móveis; os tapetes, as tapeçarias, e os quadros em telas pintadas com deusas cheios de braços, e deuses com trombas de elefante.
A cidade tinha, então, vários hotéis, dois cinemas, o velho São Tiago e o Estúdio 333, convenientemente climatizados, três intervalos para nos vermos bastante uns aos outros, e falarmos tudo o que havia para falar. Para além do cinema, vizinho do rio, a cidade tinha bares, cafés, restaurantes. E muitas lojas como a ourivesaria Mateus, a boutique Camelot da Teresa Batalha, a Papelaria Lopes e o Christos Luscos que também vendia livros e todo o comércio que se possa imaginar, bancos, companhias de seguros, stands de compra e venda de automóveis, casas de ferragens.
Ancestral entreposto das rotas do ouro do Monomotapa, a cidade exumava toda uma história escondida que só muitos anos mais tarde comecei a entrever, pois naqueles tempos, as seculares pedras do forte, as paredes das igrejas, testemunhos de instalação portuguesa no local, e os nomes dos rios, serras, planuras, ainda não falavam comigo. O que eu via era o que estava diante de todos nós. M arcas de presença colonial nos palácios do governo, nas casas do Intendente e do Administrador e nos quartéis, construção relativamente recente. E outros referenciais de paisagem, de saborosas histórias. Por exemplo, o restaurante do grego Carlettis, que ficava no alto de um morro na então avenida Gabriel Teixeira, antigo governador-geral de Moçambique, com vista soberba sobre o rio. Quando o dono não se zangava com os clientes, expulsando-os e deitando a comida fora, comia-se ali divinalmente.
Um desses episódios marcou as conversas durante muito tempo. Foi quando o irascível Grego viu um comensal ilustre – integrava uma comitiva oficial que se deslocara de Lourenço Marques a Tete, provavelmente já por instâncias da construção da barragem de Cabora Bassa, muito para breve – a limpar distraída e automaticamente o prato com o guardanapo:
– Se não confiam na limpeza da louça que ponho na mesa, também não confiam na minha comida. Rua!!
Foi em vão que se intercedeu junto dele. A refeição já fora encomendada, era aguardada ansiosamente porque o restaurante era famosíssimo pela sua excelência, e, àquela hora, deslocar para outro restaurante, um grupo de altas individualidades, ligadas ao governo central, e com a barriga a dar horas, tornava-se assaz complicado. Em vão. Os comensais saíram de orelha murcha e comida foi directamente dos tachos e das panelas para o saco do lixo. Intocada. «É muito boa pessoa, mas tem um feitio…», comentava-se.
[Adaptado de Moçambique para a mãe se lembrar como foi]
Nota - para se saber mais sobre Os Prazos da Coroa do Zambeze o link para um artigo cientifico com bibliografia de reconhecida credibilidade.
A cidade, nos nossos dias de ontem, tinha um comércio efervescente, muito do qual concentrado na rua Rafael Bivar onde vivemos durante alguns meses. Para além das duas lojas dos Bega, havia a Socote, a Valy Ossman, a Fersope, a Tulcidás – esta pertencia ao pai do nosso amigo e companheiro de colégio, Rajú, e outras, onde encontrávamos os produtos exóticos que os indianos importavam do vasto e misterioso continente de onde os mais velhos eram originários, e os produtos igualmente exóticos da ainda mais remota China. As sedas, as lacas, os tecidos refulgentes, as missangas de todas as cores, as escamas nacaradas e os vidrilhos das roupas de festa; as porcelanas de Cantão; as arcas de canfora, sempre perfumadas. Os incensos, os perfumes e os unguentos os cosméticos orientais; as loiças; os móveis; os tapetes, as tapeçarias, e os quadros em telas pintadas com deusas cheios de braços, e deuses com trombas de elefante.
A cidade tinha, então, vários hotéis, dois cinemas, o velho São Tiago e o Estúdio 333, convenientemente climatizados, três intervalos para nos vermos bastante uns aos outros, e falarmos tudo o que havia para falar. Para além do cinema, vizinho do rio, a cidade tinha bares, cafés, restaurantes. E muitas lojas como a ourivesaria Mateus, a boutique Camelot da Teresa Batalha, a Papelaria Lopes e o Christos Luscos que também vendia livros e todo o comércio que se possa imaginar, bancos, companhias de seguros, stands de compra e venda de automóveis, casas de ferragens.
Ancestral entreposto das rotas do ouro do Monomotapa, a cidade exumava toda uma história escondida que só muitos anos mais tarde comecei a entrever, pois naqueles tempos, as seculares pedras do forte, as paredes das igrejas, testemunhos de instalação portuguesa no local, e os nomes dos rios, serras, planuras, ainda não falavam comigo. O que eu via era o que estava diante de todos nós. M arcas de presença colonial nos palácios do governo, nas casas do Intendente e do Administrador e nos quartéis, construção relativamente recente. E outros referenciais de paisagem, de saborosas histórias. Por exemplo, o restaurante do grego Carlettis, que ficava no alto de um morro na então avenida Gabriel Teixeira, antigo governador-geral de Moçambique, com vista soberba sobre o rio. Quando o dono não se zangava com os clientes, expulsando-os e deitando a comida fora, comia-se ali divinalmente.
Um desses episódios marcou as conversas durante muito tempo. Foi quando o irascível Grego viu um comensal ilustre – integrava uma comitiva oficial que se deslocara de Lourenço Marques a Tete, provavelmente já por instâncias da construção da barragem de Cabora Bassa, muito para breve – a limpar distraída e automaticamente o prato com o guardanapo:
– Se não confiam na limpeza da louça que ponho na mesa, também não confiam na minha comida. Rua!!
Foi em vão que se intercedeu junto dele. A refeição já fora encomendada, era aguardada ansiosamente porque o restaurante era famosíssimo pela sua excelência, e, àquela hora, deslocar para outro restaurante, um grupo de altas individualidades, ligadas ao governo central, e com a barriga a dar horas, tornava-se assaz complicado. Em vão. Os comensais saíram de orelha murcha e comida foi directamente dos tachos e das panelas para o saco do lixo. Intocada. «É muito boa pessoa, mas tem um feitio…», comentava-se.
2 comentários:
Meu avô Grego, Kristakis Carlettis!
Um personagem!!
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