domingo, maio 08, 2022

Uma frase, um poema, uma imagem até

 

Guardaste-me tão bem, mas tão bem, que já nem eu própria acedo a essa memória de mim, de nós, que cultuas no mistério dos teus pensamentos aonde regressas sempre que o desejas. Às vezes, deixas escapar uma frase, um poema, uma imagem até, para que eu acorde e, acordada, partilhe as migalhas do teu culto. No incêndio que traçam, essas palavras acordam em mim uma fugaz melancolia e, por instantes, olho de frente a vertigem do passado. Nesses momentos invejo-te. Na eternidade do tempo não construi catedrais ou mausoléus. Os meus braços estão demasiado cheios de nada, os meus pés estão demasiado impacientes pelo seu insone caminhar. Então, onde guardo as formas do que fomos e somos? Num palácio semelhante aquele que nos erigiste. Entretanto, perdi todas as coordenadas da sua localização, incluindo chaves e mapas. Para lá chegar, só em sonhos que, creio bem, me envias para me acordar.



Marc Chagall (Vitebsk 1887–1985 Saint-Paul-de-Vence)“The Promenade” – 1918 - óleo sobre tela, - Russian Museum, St. Petersburg.

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