Ele perguntou-me estás bem? E eu respondi, estou óptima. Do outro lado, uma ligeiríssima pausa. O tempo de uma respiração. Depois a conversa prosseguiu, mas aquela reserva manteve-se. Entre nós, havia uma porta fechada com uma frincha de espreitar estranhos. E eu senti que, com aquele «óptima», ainda por cima dito com entusiasmo, me tinha tornado uma estranha.
O que eu queria dizer depois, se aquele vento frio não tivesse pautado todo o resto do diálogo, era: sim, estou óptima, neste momento exacto. Não penso no antes, porque estou a falar contigo. Já não falava contigo há tanto tempo. E não penso no depois, porque tem muitas implicações. Umas boas, outras nem por isso, outras totalmente imprevisíveis. E não, não estou sempre óptima. Ninguém está. Nunca. Ou sempre.
Carrego, como toda a gente, o meu quinhão de dor, de insegurança, de solidão, de saudades e ausências e de precalços de todo o género. Mas o peso desse tão humano fardo não me impede de receber a alegria dos momentos perfeitos. Ou de viver o prazer da festa. O privilégio do convívio. Ou a plenitude que, por vezes, vem coroar alguma tarefa que concluo.
Sim. Vivo no fio da navalha. Como todos nós, viventes, vivemos. O meu corpo, o meu coração retalhados dão testemunho da aspereza do caminho. Mas aceito sempre o momento singular em que tudo está bem. Foco-me nessa singularidade. Para o qual a palavra certa, o preço justo, é esse «estou óptima». Afinal de contas, um lugar-comum.
Mas não pude dizer-lhe nada disto.A conversa terminou antes que refizéssemos a ponte que outrora ligava a nossa amizade. Fomos, ambos, formais, calorosos e gentis.
Não nos tocámos, portanto.
2 comentários:
Fenomenal.
Sei como é...
Obrigada...
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