que melhor portal para franquear os tempos novos?
sábado, dezembro 24, 2011
sexta-feira, dezembro 23, 2011
Petição Legislação para os animais de companhia
Do corpo da lei para a vida real. Do papel para o terreno. A legislação é um passo fundamental. A mudança de mentalidades leva mais tempo. Por isso a nossa voz, o nosso rosto, os testemunhos, são tão importantes nesta fase.
Petição Legislação para os animais de companhia
Petição Legislação para os animais de companhia
quarta-feira, dezembro 14, 2011
A minha rainha
aproxima-se do fim do seu curto tempo de vida. Procuro acima de tudo ser-lhe fiel, seguindo-a por palácios ou casarões, caminhos de lama ou de pó, e entender tempos e modos que nos são tão estranhos. Nela admiro a fortaleza com que cumpre tarefas que nunca desejou para si, mesmo quando estas implicam o reforço da sua majestade, e o aumento desmedido do seu poder. Esse poder que ela nunca quis, mas que encara como uma obrigação. O que ela sempre quis, foi o marido a seu lado mas teve-o tão pouco tempo junto de si ela que o amava antes de o conhecer, e levou essa adoração para a tumba. Em essência, amar no século XVI não é diferente de amar noutro tempo qualquer.
domingo, dezembro 11, 2011
Os reféns
Numa biografia histórica, em que a margem de liberdade de escrita é tão exigua, há outros recreios. Como por exemplo este, de ver chegado ao fim o cativeiro de duas crianças, filhas de um rei, reféns de outro. Um pequeno extracto relativo ao fim do seu cativeiro:
«Vordin descrevia-lhe que encontrara o delfim de França e o duque de Orleães andrajosamente vestidos, sentados nuns banquinhos de pedra, junto de uma janela gradeada, por dentro e por fora, por grossas barras de ferro. Não havia um único tapete no chão, uma única tapeçaria nas paredes, a criar um certo conforto, naturalmente negado a grandes criminosos que seguramente os meninos não eram, e os infantes passavam os dias fechados nessa masmorra gelada, de paredes grossíssimas, onde a pouca luz do dia entrava pela janela alta, que apenas deixava ver uma nesga do céu.»
quarta-feira, dezembro 07, 2011
eu sei que eu vou-te amar
por toda a minha vida e para além da vida de nós dois mesmo que me esqueça de ti mesmo que não te recordes de mim porque amar é na sua essência uma plenitude feita de abraços de luz e a luz comunga a mesma existência essencial no aqui agora da eternidade.
Disse ela.
Ele abanou a cabeça incrédulo e maravilhado. Perdera o sentido da frase aí por volta da sétima palavra, mas deixara-se, como de costume, embalar na cabala fonética das suas lengalengas. Respirou fundo, e tocou-lhe a face com a boca e respirou pela boca dela até os dois ficarem sem ar. Então percebeu que ela aguardava uma resposta e murmurou também te amo, na luz e na forma e no desejo. Quero-te tanto. Tanto.
Disse ele.
Depois percebeu que estava a acordar e segurou-lhe na mão. Depressa. Diz-me onde te posso encontrar. E quando. E como saberei que és tu.
Disse ela.
Mas nessa altura percebeu que estava só. Tinha acordado. Mais uma vez.
Disse ela.
Ele abanou a cabeça incrédulo e maravilhado. Perdera o sentido da frase aí por volta da sétima palavra, mas deixara-se, como de costume, embalar na cabala fonética das suas lengalengas. Respirou fundo, e tocou-lhe a face com a boca e respirou pela boca dela até os dois ficarem sem ar. Então percebeu que ela aguardava uma resposta e murmurou também te amo, na luz e na forma e no desejo. Quero-te tanto. Tanto.
Disse ele.
Depois percebeu que estava a acordar e segurou-lhe na mão. Depressa. Diz-me onde te posso encontrar. E quando. E como saberei que és tu.
Disse ela.
Mas nessa altura percebeu que estava só. Tinha acordado. Mais uma vez.
segunda-feira, novembro 28, 2011
África
I
O tempo deixou-me este gosto na pele
Um nó na garganta
Calor na alma
Mãos vazias, o corpo nu
Em carne viva.
Tatuagens de recordações espalho-as no chão,
À minha volta
Há gritos de sereia num porto, e eu lambo cinzas.
Ainda estão quentes.
Onde estão todos?
Paredes nuas.
Colares de missangas vermelhas, colares de missangas negras
Um bater surdo de tambores.
Árvores esplêndidas dos tempos do primeiro
Tempo.
E templos e véus
E estradas escondidas
Sob mato rasteiro de silvas
Como puderam esconder tamanho esplendor?
II
Amei-te, e eras sempre diferente.
E contudo... se soubesses por onde te procurei.
Ouves o meu grito?
Esperava que dissesses, na concha do meu ouvido:
Somos os marinheiros e o mar e o navio, a tempestade e o sono.
Sonho.
Queria dizer-te isto:
Viver é amar cada segundo como se fosse o último,
Mas não é sempre assim.
Gosto de redes e de laços. Gosto de anéis.
Gostava de já não gostar.
De já não gostar.
III
Depois de enterrar os mortos
Me esqueci
Do local das sepulturas.
Às vezes ainda lá vou
Gruta de sombras onde depois de queimar deuses
Nma lareira que nem existe,
Ouço-me
A chamar por eles.
E fico, de mãos feridas a escavar palavras e silêncios.
Procuro, procuro.
Penso: para onde vamos meu amor?
E então volto sempre.
Da soleira da porta vejo-te acenar-me
Quando me viro,
Com as mãos em concha protejo-me da luz para te ver bem
Antes que a estrada me engula.
Penso: porque não me prendeste com laços e anéis
Nas redes dos teus braços adormecidos?
E então volto
Sempre à espera
De ti.
Esvazio-me.
E penso: quem és tu?
IV
Na Primavera abri a copa das árvores
Chovia e entraste no meu tronco.
Tremias.
Disseste:
Tenho tanto medo. Tenho tanto medo.
Adormecemos.
Quando acordei
Os sons que se evaporavam da terra eram ocres,
E havia tanto fumo.
E havia tanto fogo.
E havia tanta dor.
E havia eu
Enredada em caminhos
Que não me levavam a lado nenhum.
Amortalhando os sete sentidos incluindo o tacto
Sondando rostos fechados
Eu e o meu medo insone asfixiando-me sem tréguas.
Num abraço de amante obsessivo
Diante de casas sem portas nem janelas nem ninguém.
Às vezes, o som dos sinos amansava a tarde,
Por muito pouco tempo.
À noite, não conseguia ouvir bater o coração escuro do mundo:
Falavam todos muito alto.
Pareciam perdidos e riam
Nem perceberam que me fui embora
V
Quero estar só.
Quero esta solidão indizível para te encontrar amor,
Caleidoscópio de rostos, mil faces a tua,
quero saber o teu nome.
Quero rasgar tanta coisa,
Estes véus estes véus.
Regressar aos negros braços que enlaçam a
Terra inteira.
Cheirar o teu cheiro nas flores de sangue
Vivas dentro das suas pétalas mortas,
Enrolar-me no teu regaço escuro e cálido,
Pousar o fardo pungente de memórias perdidas
Para recordar todos os teus nomes
Todos os teus corpos
Todos os teus cheiros
Todos os teus sabores
Todos os teus sons
Ásperos e musicais densos e subtis
Mesmo os que doem muito
À flor da pele
E dizer-te no desamparo branco de quem não conseguiu dormir
Nem a dormir sem te sonhar:
Voltei de lado nenhum
para entrar na roda das antiquíssimas danças
Ao som dos tambores velhos
Em noites recortadas de chamas.
Abraça-me oh Mãe de todos
Porque pesa tanto
O estômago vazio,
O saco vazio do vagabundo,
A alma solta de quem viaja,
Este amor que sinto, esta dor que tenho,
Chamei-te tantas vezes.
Tantas vezes.
Tantas vezes.
Se ao menos soubesses como te amo.
(Manuela Gonzaga Fevereiro – Outubro de 1975.)
Imagem: Maria Alagoa. Embondeiro, Tete, 2010.
quarta-feira, novembro 23, 2011
Dos sonhos e suas materializações
Há uma verdade que só se atinge nos sonhos. E a verdade que precede a criação e que é visivel em tudo o que vemos. Tudo o que existe na vida que nos habituamos a chamar «real» começou por ser um sonho. Dos aviões às casas, dos campos lavrados às pontes, dos sapatos, da roupa, dos artefactos doméstico, dos brinquedos mais simples às mais sofisticados... tudo isso, foi primeiro imaginação criadora até, em processos elaboradissimos ou singelos, se materializar nos nossos quotidianos.
Gosto muito de falar sobre estas coisas com os meus jovens leitores da colecção O Mundo de André, nos nossos encontros pelas escolas. É fácil porque eles percebem de imediato o que se está a dizer.
Gosto muito de falar sobre estas coisas com os meus jovens leitores da colecção O Mundo de André, nos nossos encontros pelas escolas. É fácil porque eles percebem de imediato o que se está a dizer.
segunda-feira, novembro 21, 2011
quarta-feira, novembro 16, 2011
Recordar Variações, Recordar Maria Adelaide e outras memórias
Dois documentários para a RTP invocaram pessoas cujas vidas biografei. Recordei Variações e revivi a história de Adelaide Coelho. Esta no palácio Quintela, ao Chiado, aquele numa antiga fábrica de vidro, numa rua que quase nunguém conhece, escondida, por trás da Almirante Reis. Ambos os espaços são, só por si, objectos fílmicos fabulosos. Os documentários, que constam de longos de trabalhos de investigação, quer num caso quer noutro, e que contam com um bom leque de entrevistados, ainda não têm data de emissão.
Mas como não há duas sem três, um outro programa, para outro canal de televisão, acaba de me convidar para dar um testemunho de vida. Sobre quem?
Não digo.
Para já.
Mas como não há duas sem três, um outro programa, para outro canal de televisão, acaba de me convidar para dar um testemunho de vida. Sobre quem?
Não digo.
Para já.
segunda-feira, novembro 07, 2011
Oficinas de escrita autobiográfica
E se a vossa vida desse um livro?
Não será altura de começar a escrevê-lo?
Quando - Começa na segunda semana de Janeiro de 2012. Horário post-laboral (entre 18h30 e 20h).
Onde – Na lindíssima Livraria Buchholz próximo da avenida de Liberdade, Lisboa.
Custo - 30 euros por módulo de duas aulas (1h30 cada).
A estrutura segue estes moldes:
1) Bilhete de Identidade.
2) Memórias de Infância.
3) A minha vida dava um livro.
Não é obrigatório fazê-los todos, porém torna-se mais fácil, para seguir o percurso de escrita biográfica, obter as ferramentas que cada uma das presenças irá disponibilizar.
Não é obrigatório fazê-los todos, porém torna-se mais fácil, para seguir o percurso de escrita biográfica, obter as ferramentas que cada uma das presenças irá disponibilizar.
Modo como:
Parte-se do mergulho na identidade própria, para se estruturar uma narrativa sedutora sobre o percurso de vida de cada participante, detalhando para tal um ou vários aspectos considerados fulcrais pelo próprio autor.
Estas Oficinas de Escrita Dinâmica, concebidas e orientadas por Manuela Gonzaga, contam com o apoio da
- CE Livrarias;
- Editora Bertrand, que patricinará uma edição antológica dos melhores textos;
- Revista Cultura Entre Culturas;
quarta-feira, outubro 19, 2011
sábado, outubro 15, 2011
Obrigada, meu inimigo
Nos meus sonhos, foste sempre o pesadelo. Sei que és um, e sei que és muitos. Fazias o papel do lobo. Um lobo enredado em matilha de hienas. Em tempos, usavas vários rostos, vários corpos e múltiplos gestos. Eras quase sempre homem, mas também te encontrei como mulher. Soube sempre que eras tu por esse olhar tão dissimulado a negar a doçura mentirosa das palavras que saíam da tua boca.
Obrigada, meu inimigo.
Se soubesses o que me fizeste aprender. Se soubesses como cresci a fugir-te até conseguir olhar de frente o teu rosto mau. Agora és tu quem se esconde, mas ainda preciso que me ensines a superar o mais difícil de todos os desafios. Aquele em te abraço e te faço meu. Mas o veneno das tuas palavras e a maldade dos teus gestos inumanos, ainda me doem. Dores antigas, dos tempos em que precisava de me defender de ti. Agora já não preciso. Mas ainda é muito cedo para dizer que te amo.
A minha gratidão, porém, é sincera.
Obrigada, meu inimigo.
Se soubesses o que me fizeste aprender. Se soubesses como cresci a fugir-te até conseguir olhar de frente o teu rosto mau. Agora és tu quem se esconde, mas ainda preciso que me ensines a superar o mais difícil de todos os desafios. Aquele em te abraço e te faço meu. Mas o veneno das tuas palavras e a maldade dos teus gestos inumanos, ainda me doem. Dores antigas, dos tempos em que precisava de me defender de ti. Agora já não preciso. Mas ainda é muito cedo para dizer que te amo.
A minha gratidão, porém, é sincera.
quinta-feira, outubro 13, 2011
a solidão do cão abandonado
a solidão do cão abandonado é uma mistura pungente de puro medo, tristeza sem fim e uma perplexidade sem medida porque o cão foi concebido por pequenos deuses da natureza em comunhão com os homens do principio do Tempo dos Homens, que misturaram as sementes múltiplas dos primeiros cães de onde nasceram todos os outros, sem nunca lhe retirarem a marca genética que é amar a humana criatura de forma incondicional. Seja qual for a sua forma.
Um cachoro abandonado é uma traição à natureza do ser cão e um insulto à natureza do ser homem.
É uma vilania que esventra o transgressor onde não lhe dói, porque não o tem. O coração.
A solidão do cão abandonado é uma tatuagem infamante no rosto do transgressor. Só ele parece não a ver porque nasceu humano por acidente.
É muito possivel que tal não lhe volte a acontecer.
Um cachoro abandonado é uma traição à natureza do ser cão e um insulto à natureza do ser homem.
É uma vilania que esventra o transgressor onde não lhe dói, porque não o tem. O coração.
A solidão do cão abandonado é uma tatuagem infamante no rosto do transgressor. Só ele parece não a ver porque nasceu humano por acidente.
É muito possivel que tal não lhe volte a acontecer.
terça-feira, outubro 11, 2011
Ao amor para sempre
Fazes-me chorar. Faço-te chorar? Sim. Se soubesses a alegria que sinto por me dizeres isso. É que também eu choro, sem lágrimas, a dor da nossa ausência sem remédio. Guarda-me contigo, meu amor, aí onde estás, como eu te conservo na memória do meu sangue, na memória do meu ar, na memória de todas as memórias de ti porque sem elas perdia-me, tão perdido fiquei em tua ausência.
A resposta dela chegou-lhe num suspiro. Quando abriu os olhos, apenas o jovem pajem se encontrava na sua companhia. Olhando-o em silêncio.Tantos anos depois, e ainda se perdia na contemplação do retrato dela, que velava na presença de estranhos. E das recordações infinitas e cheias de luz, que acompanhavam os seus últimos dias. Isso e os ofícios divinos que da cama, no seu quarto de varandim rasgado sobre a capela do mosteiro, seguia com devoção acrescida.
Ao amor para sempre, não o travam fronteiras irreais como tempos e espaços e ausências.
Era esse o seu conforto.
A resposta dela chegou-lhe num suspiro. Quando abriu os olhos, apenas o jovem pajem se encontrava na sua companhia. Olhando-o em silêncio.Tantos anos depois, e ainda se perdia na contemplação do retrato dela, que velava na presença de estranhos. E das recordações infinitas e cheias de luz, que acompanhavam os seus últimos dias. Isso e os ofícios divinos que da cama, no seu quarto de varandim rasgado sobre a capela do mosteiro, seguia com devoção acrescida.
Ao amor para sempre, não o travam fronteiras irreais como tempos e espaços e ausências.
Era esse o seu conforto.
terça-feira, outubro 04, 2011
A mulher que ocupa os meus dias
É ibérica. É belíssima. Procuro-a nas memórias que lhe sobreviveram tantos séculos, e tento ser-lhe fiel. Não me dá descanso, mas gosto disso, embora sonhe já com o dia em que escreverei a última palavra da sua biografia. Está próximo. Da sua época, e sem lhe dizer directamente respeito, este pequeníssimo extracto:
"As versões, coincidentes, revelaram cento e cinquenta bruxos e bruxas, «notoriamente comprovados», pois à identificação das crianças somaram-se as confissões dos culposos. Tinham, sim, comércio com o demónio, a quem todos tinham jurado fidelidade e que surgia perante as mulheres sob a forma, alternada, de gentil-homem ou de bode. Os detalhes da ímpia aliança seguiam os relatos de género, inventariados, sobretudo, desde o final da Idade Média, numa obra basilar, o Malleus Maleficarum[1]. As confissões foram assim enriquecidas por um caudal descrições de sabats, comércio carnal com os respectivos bodes, capacidade para concitar pragas e cometer muitos crimes, assassinando sem deixar rasto graças ao dom de invisibilidade, e outros poderes, que senhor das trevas lhes concedera, induzindo-as, com palavras «horríveis», a renegar da santa fé católica.
Disso mesmo se procuravam penitenciar, com aquela torrencial soma de pormenores, a que acrescentaram a receita prodigiosa, oferecida pelo Senhor das Trevas, de um unguento mágico, feito com muitas sevandijas, graças ao qual conseguiam cobrir grandes distâncias, pelo ar. Sozinhas ou sobre os seus bodes."
[1] O Martelo das Feiticeiras é uma obra de dois frades dominicanos inquisidores, Heinrich Kramer, James Sprenger, que a escreveram em 1486, na Alemanha, mas a cruzada contra a feitiçaria não é apanágio do Cristianismo. Egípcios, Judeus, Romanos e Bárbaros (pluralidade de nações não helenizadas ou romanizadas) produziram legislação duríssima contra a bruxaria desde tempos muito mais remotos. O auge do processo conhecido genericamente como a «caça às bruxas», implicando um ainda incalculável número de mortos – há quem refira as centenas de milhar –, a maior parte dos quais mulheres, foi durante a Idade Moderna e não na Idade Média como frequentemente se afirma. Estes processos incidiram, maioritariamente, nos países da Reforma, sobretudo Calvinistas.
terça-feira, setembro 20, 2011
Nós, os homens
não perdemos tempo com essas coisas - disse ele. Estava tão triste que até a roupa que trazia sobre o seu corpo curvado parecia chorar.
- Porquê? - perguntou ela.
- Porque as coisas são como são. Começam, duram o que têm de durar e acabam.
- Mas podemos falar sobre isso, ou não?
- Para quê? Acabou, está acabado. Adeus, e felicidades. Segues a tua vida, eu vou à minha.
Ela estava vermelha de aflição e, provavelmente, de raiva. Uma raiva contida pelo ténue fio da esperança que ele quebrou num ápice:
- Já o meu pai dizia que as coisas, quando quebram, não adianta consertá-las.
- Ai é? Então porque te tornaste técnico de computadores, quando o teu pai, raios o partam, te pediu mil vezes que entrasses para a Carris, onde ele e o pai dele trabalharam toda a vida a picar bilhetes?
Ele encolheu os ombros, agarrado ao medo de ceder à fome que já sentia dela, e ainda a tinha à frente.
- As coisas acabam. Vai à tua vida que eu vou à minha.
- Pois acabam, seu estúpido parvalhão - ela não tinha medo algum de ceder à fúria e à dor - por isso é que comemos todos os dias, e dormimos todos os dias, e temos de refazer tudo, todos os dias.
Ele olhou-a com olhos de fome, e virou-lhe as costas num andar de vagabundo.
Uma separação tão idiota, e não era capaz de voltar atrás.
- Porquê? - perguntei-lhe eu, um dia à conversa, espantada com os cabelos brancos que lhe nasceram de repente.
- Nós homens somos mesmo assim.
Não são nada, e todos sabemos disso. Mas ele não quer ouvir. Também agora já não adianta nada. Um ucraniano que ia a passar, reparou nela e nunca mais a largou até lhe colocar uma aliança de casada no dedo. Consta que são muito felizes.
- Porquê? - perguntou ela.
- Porque as coisas são como são. Começam, duram o que têm de durar e acabam.
- Mas podemos falar sobre isso, ou não?
- Para quê? Acabou, está acabado. Adeus, e felicidades. Segues a tua vida, eu vou à minha.
Ela estava vermelha de aflição e, provavelmente, de raiva. Uma raiva contida pelo ténue fio da esperança que ele quebrou num ápice:
- Já o meu pai dizia que as coisas, quando quebram, não adianta consertá-las.
- Ai é? Então porque te tornaste técnico de computadores, quando o teu pai, raios o partam, te pediu mil vezes que entrasses para a Carris, onde ele e o pai dele trabalharam toda a vida a picar bilhetes?
Ele encolheu os ombros, agarrado ao medo de ceder à fome que já sentia dela, e ainda a tinha à frente.
- As coisas acabam. Vai à tua vida que eu vou à minha.
- Pois acabam, seu estúpido parvalhão - ela não tinha medo algum de ceder à fúria e à dor - por isso é que comemos todos os dias, e dormimos todos os dias, e temos de refazer tudo, todos os dias.
Ele olhou-a com olhos de fome, e virou-lhe as costas num andar de vagabundo.
Uma separação tão idiota, e não era capaz de voltar atrás.
- Porquê? - perguntei-lhe eu, um dia à conversa, espantada com os cabelos brancos que lhe nasceram de repente.
- Nós homens somos mesmo assim.
Não são nada, e todos sabemos disso. Mas ele não quer ouvir. Também agora já não adianta nada. Um ucraniano que ia a passar, reparou nela e nunca mais a largou até lhe colocar uma aliança de casada no dedo. Consta que são muito felizes.
domingo, setembro 18, 2011
O fogo, o fígado de Prometeu e a águia do pai dos deuses
Ele queria tanto ajudá-los. Depois, tinha medo e deixava-os sozinhos, a tremer nas noites intermináveis. Perguntou aos outros se não queriam juntar-se a ele, na partilha do conhecimento proibido. Uns fugiram. Outros riram-se. Outros ainda, apontaram para o alto da montanha onde a águia planava: «Queres alimentá-la do teu fígado, todos os dias, até ao fim dos tempos?». Por fim, ele desceu ao povoado e mostrou aos aflitos seres humanos, que dormiam e viviam entre rochedos ou nas copas das árvores para fugir às feras, que havia luz para além das trevas. Nenhum dos deuses ou dos semi-deuses o acompanhou, mas todos o acusaram:
- Prometeu partilhou com os homens a interdita dádiva do fogo.
Divinamente irado, o deus supremo pregou-o nas montanhas do Cáucaso e entregou-o à sua águia. Desde então, ela continua, todas as noites, a devorar-lhe o fígado que cresce todos os dias. Uns dizem que Hércules, compadecido, o soltou durante o tempo dos heróis. Será verdade? A escuridão ainda é tanta. E o medo de a rasgar maior ainda. Muitos, que sabem tão pouco pouco, negoceiam o conhecimento gota a gota, e sentem-se poderosos. Poucos, que sabem muito, partilham o saber. De graça e por amor. Esses, quase todos, morrem pregados na cruz, queimados em fogueiras, varados de balas, torturados, ou em acidentes que nunca ninguém consegue explicar.
O fogo, porém, cresce. A luz que o acompanha é uma imparável maré.
segunda-feira, setembro 12, 2011
Era uma vez o Porto
Tia Lena, Jó, Faruk e eu |
E nunca mais encontrei por tantos caminhos cruzados um mar como aquele, tão bravo e tão doce, que ao recuar, na maré baixa, deixava atrás de si miríades de lagos dentro de rochas cobertas de lapas, mexilhão e limos, onde nadavam peixes, estrelas do mar, anémonas, caranguejos e camarões e onde, a certas horas, se olhássemos com muita atenção, cnseguíamos ver sereias translúcidas de cabelos dourados. Ali, e por então, era o mais perto de casa que conseguia chegar.
sexta-feira, agosto 26, 2011
Tempo dos Milagres: A Coisa
Extracto da minha crónica deste mês no nosso BOAS NOTÍCIAS:«Eram batatas-doces, esqueci-me delas, e quando reparei estavam a despontar. Já não serviam para comer, mas estavam tão vivas, que não consegui deitá-las no lixo. Tempos depois, coloquei-as num pequeno alguidar de plástico. Cresciam simplesmente sobre si próprias. Estavam cheias de raminhos, folhinhas, coisas de plantas. Borrifei-as e reagiram escandalosamente àquelas gotas de água, derramando-se por tentáculos eufóricos. Coloquei-as, finalmente, em evidência, sobre uma prateleira e espalhei um bocado de terra sobre elas, que já estavam a espreguiçar-se para todos os lados, procurando abraçar candeeiros e torneiras. “Isto está fora de controlo” – disse ele. – “Um dia entro em casa e estás estrangulada, diante do lava-loiças.”
[...] para ler o resto:
O Tempo dos Milagres: A Coisa
[...] para ler o resto:
O Tempo dos Milagres: A Coisa
quarta-feira, agosto 24, 2011
estes vivos que já morreram
e entram nas nossas vidas erguendo-se do pó das histórias velhas que os livros velhos conservam. Sou eu que os procuro, ou são eles que me encontram? Só sei que me chamam. Com vozes claras anunciam as suas vidas que ressaltam como imagens febris de um album de família muito gasto de tanto se olhar para ele.
Nessas alturas, sou mais deles do que de mim própria, seja o que for que signifique «eu».
Nessas alturas, sou mais deles do que de mim própria, seja o que for que signifique «eu».
domingo, agosto 21, 2011
De que se fala quando se fala de relíquias?
«A turba enlouquecida despejava directamente dos cálices de ouro para o chão, sem cuidar que pisavam aos pés, o próprio corpo de Cristo, que lhes importava tão pouco como os crânios dos apóstolos São João e Santo André, que, arrancados dos sarcófagos, foram usados como bolas nos jogos dos soldados. Em São João de Latrão, o Santa Santorum onde estavam os corpos de São Pedro e São Paulo foi saqueado. Jamais se vira nada assim em terra cristã.» Mas de que se fala quando se fala de relíquias?
O culto das relíquias – partes do corpo de um santo ou seus objectos pessoais – é comum a várias religiões, nomeadamente o budismo e várias denominações cristãs, nomeadamente o catolicismo. No geral, as religiões da Reforma contestam-nas violentamente. Este culto, que vem desde os primórdios do cristianismo, atingiu o seu esplendor ao longo da Idade Media, sobretudo após a tomada e a destruição brutal de Constantinopla, pelos soldados cristãos da IV Cruzada (1204). A partir de então, foram «encontrados» e vendidos, para além das relíquias de santos, retalhos das fraldas de Jesus, garrafinhas com água do rio em que Ele foi baptizado, ampolas com gotas do leite da Virgem, saquinhos com o barro utilizado na criação do primeiro homem, Adão, chegando a ser contabilizados em centenas os pregos da Vera Cruz. O negócio das relíquias tomaria assim proporções alucinantes, com algumas peças a atingir valores incalculáveis.
Em pleno século XIX um principe das nossas letras, Eça de Queiroz (1845-1900), publica a Relíquia (1887), pequena obra-prima de humor e crítica social, tão raro nas nossas letras. O universo português, conservador e beato, e de uma asfixiante estupidez, emerge destas págínas intemporais...
Recordo Eça de Queiroz nesta entrevista de Carlos Loures.
O culto das relíquias – partes do corpo de um santo ou seus objectos pessoais – é comum a várias religiões, nomeadamente o budismo e várias denominações cristãs, nomeadamente o catolicismo. No geral, as religiões da Reforma contestam-nas violentamente. Este culto, que vem desde os primórdios do cristianismo, atingiu o seu esplendor ao longo da Idade Media, sobretudo após a tomada e a destruição brutal de Constantinopla, pelos soldados cristãos da IV Cruzada (1204). A partir de então, foram «encontrados» e vendidos, para além das relíquias de santos, retalhos das fraldas de Jesus, garrafinhas com água do rio em que Ele foi baptizado, ampolas com gotas do leite da Virgem, saquinhos com o barro utilizado na criação do primeiro homem, Adão, chegando a ser contabilizados em centenas os pregos da Vera Cruz. O negócio das relíquias tomaria assim proporções alucinantes, com algumas peças a atingir valores incalculáveis.
Em pleno século XIX um principe das nossas letras, Eça de Queiroz (1845-1900), publica a Relíquia (1887), pequena obra-prima de humor e crítica social, tão raro nas nossas letras. O universo português, conservador e beato, e de uma asfixiante estupidez, emerge destas págínas intemporais...
Recordo Eça de Queiroz nesta entrevista de Carlos Loures.
terça-feira, agosto 09, 2011
O nariz das suecas
Um ano em Malmo, longas incursões pelo Báltico, e o maior denominador que o André trouxe daquele povo foi o nariz. Esqueçam a história dos sueco serem todos altos, loiros, brancos. A grande marca que os distingue de todos os outros povos é o nariz, explicou. E nós bebíamos as suas palavras, acompanhadas de um vinho soberbo e um jantar muito português, filetes de sardinha panados e uma porção de acompanhamentos.
- O nariz??
- É lindo. É absolutamente perfeito.
Feita pelo André, a descrição do nariz das suecas - «reparei mais no delas, mas vai dar ao mesmo para eles, é um molde genético daquele povo» - é todo um compêndio de antropologia filosófica pós moderna. E enquanto comíamos, bebíamos, e nos atropelávamos a falar e ríamos à gargalhada, ele prosseguia:
- O nariz das suecas é como o nariz dos pretos. Esperem, não acabei! Só que afila. E projecta-se para o lado com duas narinas perfeitas, muito alinhadas em cima da cara. E é direito, mas termina numa bolinha, e essa bolinha é ligeiramente arrebitada.
Olhou para um de nós, com atenção, e escolheu o holandês:
- Tu não tens nariz. Tens uma quilha no meio da cara. Nós temos uma cana, mais ou menos direita, e eis tudo.
- Fizeste amigos, amigas?
- Nem um único. Eles são impermeáveis a novas amizades, desde o fim da escola primária. É uma sociedade de solidões e muros, os velhos não convivem com os jovens, as crianças só convivem com crianças. Por decreto lei, todos se tratam por tu, mas ninguém consegue partilhar intimidade, a não ser na cena do álcool.
Outra coisa que nos contou sobre as suecas: ao fim de dezoito, vinte anos anos de casamento, os filhos «vão à vida deles».
- E os maridos?
- Também os põem a andar. Precisam de tempo para elas próprias, o que implica espaço para si mesmas.
- Sem mais nem porquê?
- Exactamente. As suecas são tramadas. Terríveis. Não podem ver um sueco sentado. Estão sempre a dar ordens, vai fazer isto, vai fazer aquilo.
- E eles?
- São muito bem mandados.
- Então e a história multirracial, com os africanos? Como pode funcionar?
- Muito bem, porque os pretos, em casa, não mexem uma palha, ficam muito bem sentadinhos a ver televisão, e dão ordens: traz-me uma cerveja, mulher.
- E elas?
- Vão a correr buscar a cerveja deles, claro. Respeitam profundamente estas demonstrações de virilidade.
- O nariz??
- É lindo. É absolutamente perfeito.
Feita pelo André, a descrição do nariz das suecas - «reparei mais no delas, mas vai dar ao mesmo para eles, é um molde genético daquele povo» - é todo um compêndio de antropologia filosófica pós moderna. E enquanto comíamos, bebíamos, e nos atropelávamos a falar e ríamos à gargalhada, ele prosseguia:
- O nariz das suecas é como o nariz dos pretos. Esperem, não acabei! Só que afila. E projecta-se para o lado com duas narinas perfeitas, muito alinhadas em cima da cara. E é direito, mas termina numa bolinha, e essa bolinha é ligeiramente arrebitada.
Olhou para um de nós, com atenção, e escolheu o holandês:
- Tu não tens nariz. Tens uma quilha no meio da cara. Nós temos uma cana, mais ou menos direita, e eis tudo.
- Fizeste amigos, amigas?
- Nem um único. Eles são impermeáveis a novas amizades, desde o fim da escola primária. É uma sociedade de solidões e muros, os velhos não convivem com os jovens, as crianças só convivem com crianças. Por decreto lei, todos se tratam por tu, mas ninguém consegue partilhar intimidade, a não ser na cena do álcool.
Outra coisa que nos contou sobre as suecas: ao fim de dezoito, vinte anos anos de casamento, os filhos «vão à vida deles».
- E os maridos?
- Também os põem a andar. Precisam de tempo para elas próprias, o que implica espaço para si mesmas.
- Sem mais nem porquê?
- Exactamente. As suecas são tramadas. Terríveis. Não podem ver um sueco sentado. Estão sempre a dar ordens, vai fazer isto, vai fazer aquilo.
- E eles?
- São muito bem mandados.
- Então e a história multirracial, com os africanos? Como pode funcionar?
- Muito bem, porque os pretos, em casa, não mexem uma palha, ficam muito bem sentadinhos a ver televisão, e dão ordens: traz-me uma cerveja, mulher.
- E elas?
- Vão a correr buscar a cerveja deles, claro. Respeitam profundamente estas demonstrações de virilidade.
sábado, agosto 06, 2011
A dona Joaquina das Zebras do Combro
Um destes dias, estimulei-a a recolher as suas receitas e publicar um livro de cozinha com os seus deliciosos pratos tão tradicionais. Escusou-se. As receitas, disse ela, não são suas para as poder divulgar como se lhe pertencessem. «E o seu toque? E as suas inovações?». Abanou a cabeça. Convicta, sem falsa modéstia, declarou que o «toque» não é traduzivel em palavras e não justifica que ponha em seu nome um património que é de todos. Não houve como fazê-la mudar de ideias. Já o filho, Henrique, tentara em vão. Até porque, na sua forma alquímica de misturar ingredientes da terra, fazendo-os passar pelo fogo, aromatizando-os com perfumes do campo e temperando sempre a olho e por instinto, há sempre mudanças subtis. Como o humor.
Então falámos da vida. Da vida dela. E esta mulher inteligentíssima, que teve as letras a que podia almejar uma menina que vinha do campo servir para cidade, refere a forma como eram olhados todos os que desembarcavam na cidade, recém-chegados do Portugal profundo:
- Era como se, e só por isso, fossemos estúpidos. E sendo mulher, ainda era pior. Ninguém acreditava que pudessemos ter inteligência e raciocínio. Era tão estranho, tão estranho, que ainda hoje eu sinto espanto pela maneira como nos olhavam.
Por essas e por outras, a menina donzela que a dona Joaquina era então, nunca quis servir em casas particulares. Porque, para além de acharem estúpidas todas as pessoas que vinham do campo para a cidade, e as mulheres mais ainda, achavam que as «criadas de servir» - como na época se designava o seu ofício - serviam para tudo, até para desenfastiar patrões. Por mais honesta que fosse a conduta de uns e de outros, nenhuma rapariga escava ao labelo que lhe colavam e que servia de mote e de riso quando, a serviçal despia a bata e ia de férias a casa.
Ainda hoje a dona Joaquina, mãos de ouro, cozinheira de excelência, mulher com uma inteligência acima da média, se espanta também com isso. Ouvi-la, é sempre uma lição.
Então falámos da vida. Da vida dela. E esta mulher inteligentíssima, que teve as letras a que podia almejar uma menina que vinha do campo servir para cidade, refere a forma como eram olhados todos os que desembarcavam na cidade, recém-chegados do Portugal profundo:
- Era como se, e só por isso, fossemos estúpidos. E sendo mulher, ainda era pior. Ninguém acreditava que pudessemos ter inteligência e raciocínio. Era tão estranho, tão estranho, que ainda hoje eu sinto espanto pela maneira como nos olhavam.
Por essas e por outras, a menina donzela que a dona Joaquina era então, nunca quis servir em casas particulares. Porque, para além de acharem estúpidas todas as pessoas que vinham do campo para a cidade, e as mulheres mais ainda, achavam que as «criadas de servir» - como na época se designava o seu ofício - serviam para tudo, até para desenfastiar patrões. Por mais honesta que fosse a conduta de uns e de outros, nenhuma rapariga escava ao labelo que lhe colavam e que servia de mote e de riso quando, a serviçal despia a bata e ia de férias a casa.
Ainda hoje a dona Joaquina, mãos de ouro, cozinheira de excelência, mulher com uma inteligência acima da média, se espanta também com isso. Ouvi-la, é sempre uma lição.
sexta-feira, agosto 05, 2011
Portugal ou Texas? Inquisição ou pena de morte? Ou ambas?
Uma grande reportagem da RTP1 dava conta do calvário que sofrem duas mulheres que casaram uma com a outra, ao fim de anos de luta para o conseguirem. Casaram, é como quem diz. Foi no registo. E como toda a gente sabe, no registo não conta para a Igreja. Casais hetero só casados pelo registo nem sequer têm direito aos sacramentos. Portanto, vamos a deixar a Igreja de fora, e se a Igreja quiser ser honesta, fique de fora também. A César o que é de César.
Registado portanto e pelo civil esta união de facto, o mundo saudou a abertura que o país demonstrava ter na evolução das mentalidades locais. Elas estava radiantes. Mal sabiam no que se estavam a meter.A vitória pírrica obtida, mais atenção global que a coroou, conseguiu-lhes cadastro em todas as sacristias deste abençoado rincão. Uma tragédia.
Assim, a população logo que as detecta, tem podido persegui-las impunemente, descaradamente e sem quaisquer consequências. Já perderam vários empregos. Mudam constantemente de casa. Quando conseguem um lugar nas limpezas, ou nas caixas de um super-mercados, ou a servir às meses de uma tasca qualquer, correm-nas com a desculpa que a sua presença causa «falatórios» entre os colegas. Das casas que alugam, são sistematicamente corridas, porque os senhorios, pelos vistos, têm medo que o lesbianismo seja um virus que se pega, aliás como a homosexualidade em geral...
Infelizmente, a maior praga humana que existe é a estupidez, uma malformaçao parcialmente genética, parcialmente adquirida. E pega-se, sim senhor. Só por muita estupidez é que em nome da moral (qual delas?) se tem vindo a acossar estas mulheres como animais perigosos. Em bolandas pelo norte do País, a RTP foi encontrá-las a passar fome, numa situação aflitiva, assustadora. E tão humilhante para todos nós.
Vivemos numa sociedade que, mal ou bem, convive serenamente com pedófilos - não consta que os mesmos sejam corridos das suas casas. Aliás, grande parte dos pedófilos é aparentemente «normal». Casam e procriam. Outros, vêm das fileiras do clero. E em nome do perdão, foram ao longo de séculos (exacto, os arquivos históricos também registam a sua actividade...) «admoestados» quando muito. Em todo o caso, as vitimas eram ameaçadas de excomunhão se os denunciassem fora da Igreja... que os mantinha no mesmo posto e à mercê das suas próprias pulsões sem freio.
Vivemos numa sociedade onde o ranking de violência domestica sobre as mulheres e as crianças é aterrador. Já era, só que agora consta dos autos. Sabemos mais ou menos quantas morrem por ano. Este, que ainda não acabou, já vai na 40ª assassinada. Mas nem os padres nos púlpitos, nem as beatas nas suas rondas pavorosas de intriga e má lingua, se assanham contra eles. É destino, é vontade de Deus? O facto é que não são corridos das suas casas, dos seus empregos, das suas freguesias.
Voltemos ao princípio. Duas mulheres amam-se. Andam de mão dada. Assumem-se como casal. O que temos nós a ver com isso? Honestamente, o que é que isso nos afecta?
Resposta estúpida, primária: ai, meu Deus que o mundo está perdido. Reacção, estúpida e primária: toca a destruí-las de todas as maneiras legais, ou nem por isso.
Mas afinal o que esconde esta reacção tão primitiva? Quem tem medo da diferença? Que diferença faz que as pessoas que se amam sejam do mesmos sexo, ou de sexos diferente, da mesma raça ou de raças diferentes, com diferença de idades, ou da mesma faixa etária, ou seja lá o que for que se afasta dessa aberração a que se chama a «normalidade»?
Deus castiga? Sério? Então deixemos ao Senhor o cuidado de executar essa tarefa. Mas já agora, encomendemos-Lhe outros demónios para exorcizar e castigar severamente. O da maldade, o da intriga, o da inveja, o da calúnia. E peçamos-Lhe ardentemente que nos livre do pior de todos. O que goza com o sofrimento alheio, considerando-se na sua estúpida e incomensurável arrogância, detentor único da verdade.
Os puros, escolham lá o raio da pedra para lhes atirar.
Conhecem algum? Onde está, onde está, onde está?
Registado portanto e pelo civil esta união de facto, o mundo saudou a abertura que o país demonstrava ter na evolução das mentalidades locais. Elas estava radiantes. Mal sabiam no que se estavam a meter.A vitória pírrica obtida, mais atenção global que a coroou, conseguiu-lhes cadastro em todas as sacristias deste abençoado rincão. Uma tragédia.
Assim, a população logo que as detecta, tem podido persegui-las impunemente, descaradamente e sem quaisquer consequências. Já perderam vários empregos. Mudam constantemente de casa. Quando conseguem um lugar nas limpezas, ou nas caixas de um super-mercados, ou a servir às meses de uma tasca qualquer, correm-nas com a desculpa que a sua presença causa «falatórios» entre os colegas. Das casas que alugam, são sistematicamente corridas, porque os senhorios, pelos vistos, têm medo que o lesbianismo seja um virus que se pega, aliás como a homosexualidade em geral...
Infelizmente, a maior praga humana que existe é a estupidez, uma malformaçao parcialmente genética, parcialmente adquirida. E pega-se, sim senhor. Só por muita estupidez é que em nome da moral (qual delas?) se tem vindo a acossar estas mulheres como animais perigosos. Em bolandas pelo norte do País, a RTP foi encontrá-las a passar fome, numa situação aflitiva, assustadora. E tão humilhante para todos nós.
Vivemos numa sociedade que, mal ou bem, convive serenamente com pedófilos - não consta que os mesmos sejam corridos das suas casas. Aliás, grande parte dos pedófilos é aparentemente «normal». Casam e procriam. Outros, vêm das fileiras do clero. E em nome do perdão, foram ao longo de séculos (exacto, os arquivos históricos também registam a sua actividade...) «admoestados» quando muito. Em todo o caso, as vitimas eram ameaçadas de excomunhão se os denunciassem fora da Igreja... que os mantinha no mesmo posto e à mercê das suas próprias pulsões sem freio.
Vivemos numa sociedade onde o ranking de violência domestica sobre as mulheres e as crianças é aterrador. Já era, só que agora consta dos autos. Sabemos mais ou menos quantas morrem por ano. Este, que ainda não acabou, já vai na 40ª assassinada. Mas nem os padres nos púlpitos, nem as beatas nas suas rondas pavorosas de intriga e má lingua, se assanham contra eles. É destino, é vontade de Deus? O facto é que não são corridos das suas casas, dos seus empregos, das suas freguesias.
Voltemos ao princípio. Duas mulheres amam-se. Andam de mão dada. Assumem-se como casal. O que temos nós a ver com isso? Honestamente, o que é que isso nos afecta?
Resposta estúpida, primária: ai, meu Deus que o mundo está perdido. Reacção, estúpida e primária: toca a destruí-las de todas as maneiras legais, ou nem por isso.
Mas afinal o que esconde esta reacção tão primitiva? Quem tem medo da diferença? Que diferença faz que as pessoas que se amam sejam do mesmos sexo, ou de sexos diferente, da mesma raça ou de raças diferentes, com diferença de idades, ou da mesma faixa etária, ou seja lá o que for que se afasta dessa aberração a que se chama a «normalidade»?
Deus castiga? Sério? Então deixemos ao Senhor o cuidado de executar essa tarefa. Mas já agora, encomendemos-Lhe outros demónios para exorcizar e castigar severamente. O da maldade, o da intriga, o da inveja, o da calúnia. E peçamos-Lhe ardentemente que nos livre do pior de todos. O que goza com o sofrimento alheio, considerando-se na sua estúpida e incomensurável arrogância, detentor único da verdade.
Os puros, escolham lá o raio da pedra para lhes atirar.
Conhecem algum? Onde está, onde está, onde está?
quinta-feira, agosto 04, 2011
Toda a felicidade é pouca para curar as feridas do mundo
Começo as manhãs, quase invariavelmente, a juntar a minha assinatura a petições várias. Pela libertação da mulher condenada à morte por lapidação num país islâmico. Pela libertação de animais em cativeiro, condenados a serem esfolados vivos para gente sem alma se sobrir com as suas peles estampadas de uivos de agonia. Para travar pedófilos. Salvar gorilas órfãos. Para acabar com os meninos soldados. Com o tráfico de órgãos. Com a escravatura humana. Com o extermínio de espécies animais, vegetais, pela gula de multinacionais acéfalas cujo fito é um apenas, o lucro a qualquer preço. Para defender países e suas populações. Para travar genocídios. E tanto mais.
Não tenho coragem de apagar essas mensagens que me chegam de instituições que vim a admirar pelos seus esforços incríveis, e que me (nos) dão regularmente conta dos seus resultados. Mas abrir o email é tropeçar nestas cruzadas e sentir-me tão impotente.
Uma assinatura, é quase só o que posso dar. Isso, e passar para o mural do FB com a esperança de que outras assinaturas se juntem às nossas. Ás vezes, muitas vezes, há vitórias. A soma de muitas centenas de milhares de vozes, trava processos, inflecte destinos, altera legislações. Gota a gota, assinatura a assinatura. Somos uma tribo de uma aldeia global. Não nos conhecemos. Temos pés na Terra, mas encontramos-nos a navegar por mundos virtuais. Aí, interferimos. Fazemos a diferença. E mesmo que não fizessemos, como ficar indiferente?
Mas dói. Dói sempre.
A consciência desta dor, não pode porém ensombrar a nossa alegria. Toda a felicidade é pouca para curar as feridas do mundo.
Aqui ficam alguns endereços que já entraram nos meus quotidianos: PETA: THE PETION SITE,
AVAAZ - THE WORLD IN ACTION
Não tenho coragem de apagar essas mensagens que me chegam de instituições que vim a admirar pelos seus esforços incríveis, e que me (nos) dão regularmente conta dos seus resultados. Mas abrir o email é tropeçar nestas cruzadas e sentir-me tão impotente.
Uma assinatura, é quase só o que posso dar. Isso, e passar para o mural do FB com a esperança de que outras assinaturas se juntem às nossas. Ás vezes, muitas vezes, há vitórias. A soma de muitas centenas de milhares de vozes, trava processos, inflecte destinos, altera legislações. Gota a gota, assinatura a assinatura. Somos uma tribo de uma aldeia global. Não nos conhecemos. Temos pés na Terra, mas encontramos-nos a navegar por mundos virtuais. Aí, interferimos. Fazemos a diferença. E mesmo que não fizessemos, como ficar indiferente?
Mas dói. Dói sempre.
A consciência desta dor, não pode porém ensombrar a nossa alegria. Toda a felicidade é pouca para curar as feridas do mundo.
Aqui ficam alguns endereços que já entraram nos meus quotidianos: PETA: THE PETION SITE,
AVAAZ - THE WORLD IN ACTION
domingo, julho 31, 2011
A mesquita de Tete
Em Portugal, nessa época, as únicas mesquitas de que ouvira falar estavam nas Mil e Uma Noites. Na mesma altura em que, por Moçambique, povos de diversas fés praticavam às claras as suas religiões.
A primeira sensação que recordo da chegada a Tete em 1964, para além do calor que nos fulminava mal se abriam as portas do avião, foi a multiculturalidade da cidade. Uma cidade pequena, efeverescente, mágica. Com um rio escuro e muito largo, o Zambeze, que às vezes parecia feito de lama. Um jardim tropical, quase misterioso, cujos perfumes nos entonteciam. Uma rua das lojas, a transbordar de exotismo kitsh, com todas aquelas lojas de indianos de música em altos berros e uma aluciante profusão de artigos orientais. E o hotel, as esplanadas, o restaurante do Grego, o cinema.
E o colégio/liceu, católico, que acolhia de braços abertos todos os alunos. Fossem católicos, hindus, muçulmanos ou ateus.
Foi a primeira lição de liberdade que tive, mas na altura esta constatação nem sequer tinha nome. Viver assim tornava-se absolutamente natural.
Um dia, às minhas amigas do colégio juntei uma outra, que já não estudava. Era a mulher mais bela de Tete. Chamava-se Banoo, era filha do chefe da comunidade islâmica, tinha 16 anos e falava várias línguas. Português, árabe, nhungwe, entre outras línguas nativas. Alta, esguia, coberta de jóias, com o sari e o manto de sede leve a esvoaçar à sua volta, deslizava como um cisne moreno sob o calor demencial.
Quando nos cruzámos na rua - vivíamos perto uma da outra - ficava a olhá-la fascinada. Eu, e toda a gente. Ela e as irmãs, eram as primeiras, e as únicas, princesas de contos de fadas que jamais encontrei ao vivo.
Não demorou tempo nenhum em meter conversa com ela. Não demorou tempo nenhum em tornarmo-nos amigas. Em casa dela, corríamos para as arcas de roupa e escolhíamos o sari que eu ia vestir enquanto ali estava. Noites mágicas, um Ramadão inteiro, em que mal o sol se punha, um dos seus moleques aparecia em nossa casa com a sua mensagem:
«Vens?».
E eu ia. Jantávamos em salas de refeições distintas, homens e mulheres. Depois, juntavamo-nos todos cá fora, no grande pátio com árvores velhas e grandes onde a brisa da noite arrefecia a terra. Bebíamos xarope de rosas, e petiscávamos coisas delicadas, doces ou picantes, que circulavam em bandejas enormes, de latão. E falávamos sem parar.
Saímos de Tete em 1969. Nunca mais a vi, mas tive notícias recentes dela.
O Gafar Bega, outro dos nossos grandes amigos da época, reapareceu há dias e traçou-me o seu percurso. Tem mantido contacto com toda a gente desde sempre. «Só a ti, é que nunca te descobria. Passavas o tempo a mudar de terra, de emprego e de casa!» - disse, o mesmo sorriso maravilhoso de tantos anos antes. Continua por lá, e por cá. Mulher, filhos, netos. Negócios. E muitas solidariedades que não confessa, mas que os amigos comuns me revelaram.
Almoçamos os três, ele, o Jó e eu, ao lado da mesquita de Lisboa. As pontes refazem-se nos afectos, nas memórias, nas palavras.
Deus é grande.
A primeira sensação que recordo da chegada a Tete em 1964, para além do calor que nos fulminava mal se abriam as portas do avião, foi a multiculturalidade da cidade. Uma cidade pequena, efeverescente, mágica. Com um rio escuro e muito largo, o Zambeze, que às vezes parecia feito de lama. Um jardim tropical, quase misterioso, cujos perfumes nos entonteciam. Uma rua das lojas, a transbordar de exotismo kitsh, com todas aquelas lojas de indianos de música em altos berros e uma aluciante profusão de artigos orientais. E o hotel, as esplanadas, o restaurante do Grego, o cinema.
E o colégio/liceu, católico, que acolhia de braços abertos todos os alunos. Fossem católicos, hindus, muçulmanos ou ateus.
Foi a primeira lição de liberdade que tive, mas na altura esta constatação nem sequer tinha nome. Viver assim tornava-se absolutamente natural.
Um dia, às minhas amigas do colégio juntei uma outra, que já não estudava. Era a mulher mais bela de Tete. Chamava-se Banoo, era filha do chefe da comunidade islâmica, tinha 16 anos e falava várias línguas. Português, árabe, nhungwe, entre outras línguas nativas. Alta, esguia, coberta de jóias, com o sari e o manto de sede leve a esvoaçar à sua volta, deslizava como um cisne moreno sob o calor demencial.
Quando nos cruzámos na rua - vivíamos perto uma da outra - ficava a olhá-la fascinada. Eu, e toda a gente. Ela e as irmãs, eram as primeiras, e as únicas, princesas de contos de fadas que jamais encontrei ao vivo.
Não demorou tempo nenhum em meter conversa com ela. Não demorou tempo nenhum em tornarmo-nos amigas. Em casa dela, corríamos para as arcas de roupa e escolhíamos o sari que eu ia vestir enquanto ali estava. Noites mágicas, um Ramadão inteiro, em que mal o sol se punha, um dos seus moleques aparecia em nossa casa com a sua mensagem:
«Vens?».
E eu ia. Jantávamos em salas de refeições distintas, homens e mulheres. Depois, juntavamo-nos todos cá fora, no grande pátio com árvores velhas e grandes onde a brisa da noite arrefecia a terra. Bebíamos xarope de rosas, e petiscávamos coisas delicadas, doces ou picantes, que circulavam em bandejas enormes, de latão. E falávamos sem parar.
Saímos de Tete em 1969. Nunca mais a vi, mas tive notícias recentes dela.
O Gafar Bega, outro dos nossos grandes amigos da época, reapareceu há dias e traçou-me o seu percurso. Tem mantido contacto com toda a gente desde sempre. «Só a ti, é que nunca te descobria. Passavas o tempo a mudar de terra, de emprego e de casa!» - disse, o mesmo sorriso maravilhoso de tantos anos antes. Continua por lá, e por cá. Mulher, filhos, netos. Negócios. E muitas solidariedades que não confessa, mas que os amigos comuns me revelaram.
Almoçamos os três, ele, o Jó e eu, ao lado da mesquita de Lisboa. As pontes refazem-se nos afectos, nas memórias, nas palavras.
Deus é grande.
sábado, julho 30, 2011
Mundos virtuais, amores reais
O que é o amor, e onde mora? Ou melhor, como nos escapa? Ou melhor, como é que as redes virtuais vieram baralhar mas também alargar os horizontes dos afectos? Uma grande amiga fez um balanço e chegou à conclusão de que o FB lhe prejudicara grandemente a vida privada. Maravilhosamente dramática, e com grande sentido de humor, declarou que ia morrer para o mundo... da sua página FB. Felizmente já ressuscitou. Outra, contava-me como as presenças mais assíduas e não corpóreas, dos amigos, a têm ajudado a ultrapassar estes tempos brutais em que se recompõe da ausência insubstituível de um filho. «Preciso do vosso amor, e preciso de estar sozinha. Assim, junto os dois» - disse-me, durante um almoço recente.
Isto gerou um pequeno debate em fórum do FB. Depois recordou-me esta história deliciosa que acabo de publicar em Boas Noticias, Amor e Fantasmas... virtuais.
Isto gerou um pequeno debate em fórum do FB. Depois recordou-me esta história deliciosa que acabo de publicar em Boas Noticias, Amor e Fantasmas... virtuais.
domingo, julho 24, 2011
sábado, julho 16, 2011
terça-feira, julho 12, 2011
A realidade é real ou é uma casa muito escura?
- Eu sou real e tu existes?
- Claro que sim, disse ele, estendendo-lhe os braços.
Ela encostou a cara à dele, e perguntou-lhe muito baixo:
- Consegues provar-me isso?
- De muitas maneiras, amor. A começar, provando-te. Ás dentadinhas.
Ela sacudiu-o. Parecia irritada.
- E aquilo que tu me disseste da Casa muito Escura onde tudo o que vemos, sentimos, cheiramos, tocamos, intuimos, adivinhamos, é processado para parecer ser o que achamos que parece que é?
- Ah!, isso. Bom, a realidade é muitas coisas, amor. Uma delas, é a fábrica onde processamos impulsos electricos e energéticos dando-lhes a forma, a aparência, atribuindo-lhe o conteúdo emocional...
- Sim, sim, já repetiste isso vezes sem conta. Mas essa Casa, então...
- Chama-se cortex, amor. É a sede da coisa.
- Que horror - ela estava quase a chorar - estás aqui, estás a dizer que somos todos fantasmas e que a realidade é um jogo virtual a três dimensões...
- Nunca te poderia dizer isso, amor, porque são muito mais dimensões do que três! É holográfico. E não, não somos um jogo cibernético, se fossemos éramos ainda feitos de zeros e de uns e nós já ultrapassámos essa fase.
- Jura.
- Juro. Isso, fomos nós em outras reencarnações. Lembras-te?
- Oh, não! Tu enlouqueces-me!
- É normal que não te lembres. Foi muito traumático. Tu tinhas sempre que me matar, e eu tinha sempre que fugir de ti de nível para nível. Não tinhamos opção. Safamo-nos desse circulo vicioso porque entupimos e violámos todas as regras da cibernética graças à bondade ou à estupidez do jogador, ainda não consegui descobrir. Mas agora estamos aqui e aqui é já plurireal.
- Numa Casa muito Escura.
- Isso mesmo, amor da minha vida.
- Claro que sim, disse ele, estendendo-lhe os braços.
Ela encostou a cara à dele, e perguntou-lhe muito baixo:
- Consegues provar-me isso?
- De muitas maneiras, amor. A começar, provando-te. Ás dentadinhas.
Ela sacudiu-o. Parecia irritada.
- E aquilo que tu me disseste da Casa muito Escura onde tudo o que vemos, sentimos, cheiramos, tocamos, intuimos, adivinhamos, é processado para parecer ser o que achamos que parece que é?
- Ah!, isso. Bom, a realidade é muitas coisas, amor. Uma delas, é a fábrica onde processamos impulsos electricos e energéticos dando-lhes a forma, a aparência, atribuindo-lhe o conteúdo emocional...
- Sim, sim, já repetiste isso vezes sem conta. Mas essa Casa, então...
- Chama-se cortex, amor. É a sede da coisa.
- Que horror - ela estava quase a chorar - estás aqui, estás a dizer que somos todos fantasmas e que a realidade é um jogo virtual a três dimensões...
- Nunca te poderia dizer isso, amor, porque são muito mais dimensões do que três! É holográfico. E não, não somos um jogo cibernético, se fossemos éramos ainda feitos de zeros e de uns e nós já ultrapassámos essa fase.
- Jura.
- Juro. Isso, fomos nós em outras reencarnações. Lembras-te?
- Oh, não! Tu enlouqueces-me!
- É normal que não te lembres. Foi muito traumático. Tu tinhas sempre que me matar, e eu tinha sempre que fugir de ti de nível para nível. Não tinhamos opção. Safamo-nos desse circulo vicioso porque entupimos e violámos todas as regras da cibernética graças à bondade ou à estupidez do jogador, ainda não consegui descobrir. Mas agora estamos aqui e aqui é já plurireal.
- Numa Casa muito Escura.
- Isso mesmo, amor da minha vida.
segunda-feira, julho 11, 2011
São João do Porto, Festa dos Tabuleiros, idas à praia. Tudo isto é crise??!!
Todos os dias, em todos os telejornais, o vocábulo crise é usado até à nausea, a propósito de tudo e de nada. De forma ofensiva, abusiva e imbecil. Aqueles jornalistas são MESMO obrigadas/os a fazer esta figura?? E os seus «legitimos superiores» papam estes produtos e devolvem-nos em horário nobre como se fosse normal e decente? A propósito DE TUDO TUDO TUDO e mais um par de botas?
O estacionamento, as deslocações, os aumentos nas portagens, a fruta que se vende à beira da estrada, o festival da canção ou de cinema, ou a ida a Fátima a pé... o São Jão do Porto, as idas ao Algarve...
Mas o pior é mesmo a forma como se encanram coisas há muito tempo implantadas em todos os paises europeus onde, por exemplo, o carro aqui ainda omnipresente está a ser substituido por outras formas de mobilidade, com vantagens para todos.
Exemplos de tesourinhos deprimentes:
Um sol maravilhoso, praias excelentes, autocarros estupendos com ar condicionado a levarem as pessoas à beira mar. Um mar soberbo. Em qualquer outro país, seria o paraíso.
Perguntas dos jornalistas:
- Anda de autocarro por causa da crise? Se pudesse vir de carro, trazia o seu? Ahhhh, então a crise não a/o deixa vir no seu próprio automovel? Ahh, e antes da crise vinha?Ooohhh, então e o bilhete do autocarro aumentou? Acha que o Estado devia pagar estas deslocaçoes das pessoas? Ou as Câmaras? Ooohhhh. E não lhe custa pagar mais para vir à praia assim com o autocarro mais caro?Ahhhh, e leva a comida para a praia? Ooohh, nao há dinheiro para ir ao restaurante? Hummm, então é a crise? Oooh.... E o que traz na lancheira? Humm....
Festa dos Tabuleiros, uma das manifestaçoes mais arcaicas e mais magnificas de uma tradiçao porfundamente enraizada. Um espectáculo deslumbrante que mereceria comentadores à altura de enquadrar esta riqueza patrimonial. Que nada!! Aqui vai disto:
- Entáo e apesar da crise, está aqui a ver a festa? Entao veio de longe/de perto/ é de cá e a crise influenciou a festa deste ano? E vai ao restaurante ou trouxe sandocha por causa da crise? Ahhhh, e antes ia, e o que pensa da crise e dos tabuleiros? Acho que se reflecte?
São João no Porto, um acontecimento nacional incrivel, mais um dos multiplos motivos que coloca a Invicta nos roteiros internacionais:
Ataques verbais dos jornalistas:
- Entao esta aqui para se divertir apesar da crise? E vai comer qualquer coisinha? Ahhh, então em vez de febras e sardinhas fica-se pela fartura? É a crise, certo? E come uma ou duas? Ah, pois que pesa no bolso, certo? A crise, pois. E sente muito? E a crise mesmo assim permite-lhe estar na fila das bifanas? Ahhh, vai comer bifanas!! Mas sente a crise, certo? E o senhor, o restaurante vendeu muitas sardinhas? A crise nao deixa não e?? Ah, pois a crise!
Uma festa MARAVILHOSA, toda a gente a dançar, a saltar, a rir, e o massacre das perguntas sempre a levar para baixo. Sempre a pôr o dedo na puta da ferida.
Que vergonha, meu deus.
Portagens na ponte 25 de Abril em Agosto:
- Ooh, então agora quanto é que vai pagar a mais para ir para praia? Oooh, acha bem? Então agora por causa da crise tem de desembolsar mais este dinheirito mas vai à praia mesmo assim? Oooh,, hummm, haaaaa, a crise instala-se, certo? O que acha deste aumento? Está de acordo? Pois sente nao sente, ahhh, é a crise.
O que é feito da memória das gentes?
Do tempo em que a praia era um luxo de ricos e férias grandes era uma excentricidade só permitida aos meninos e às meninas que estudavam? O que, depois da escolaridade obrigatória, 4ª classe, excluia quase toda a gente. Já se esqueceram que lancheiras para a praia, levava toda a gente? Perguntem aos pais ou aos avós. E não fazia mal nenhum comer pão com marmelada ou queijo em vez de bolicaus e outras porcarias. Ir ao restaurante, era uma raridade. Há muito tempo? Bom, há quarenta anos atrás ainda não e Parque Jurássico.
Será que estão a brincar connosco ou é mesmo institucional esta deprimente falta de horizontes?
Que vergonha meu deus.
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O estacionamento, as deslocações, os aumentos nas portagens, a fruta que se vende à beira da estrada, o festival da canção ou de cinema, ou a ida a Fátima a pé... o São Jão do Porto, as idas ao Algarve...
Mas o pior é mesmo a forma como se encanram coisas há muito tempo implantadas em todos os paises europeus onde, por exemplo, o carro aqui ainda omnipresente está a ser substituido por outras formas de mobilidade, com vantagens para todos.
Exemplos de tesourinhos deprimentes:
Um sol maravilhoso, praias excelentes, autocarros estupendos com ar condicionado a levarem as pessoas à beira mar. Um mar soberbo. Em qualquer outro país, seria o paraíso.
Perguntas dos jornalistas:
- Anda de autocarro por causa da crise? Se pudesse vir de carro, trazia o seu? Ahhhh, então a crise não a/o deixa vir no seu próprio automovel? Ahh, e antes da crise vinha?Ooohhh, então e o bilhete do autocarro aumentou? Acha que o Estado devia pagar estas deslocaçoes das pessoas? Ou as Câmaras? Ooohhhh. E não lhe custa pagar mais para vir à praia assim com o autocarro mais caro?Ahhhh, e leva a comida para a praia? Ooohh, nao há dinheiro para ir ao restaurante? Hummm, então é a crise? Oooh.... E o que traz na lancheira? Humm....
Festa dos Tabuleiros, uma das manifestaçoes mais arcaicas e mais magnificas de uma tradiçao porfundamente enraizada. Um espectáculo deslumbrante que mereceria comentadores à altura de enquadrar esta riqueza patrimonial. Que nada!! Aqui vai disto:
- Entáo e apesar da crise, está aqui a ver a festa? Entao veio de longe/de perto/ é de cá e a crise influenciou a festa deste ano? E vai ao restaurante ou trouxe sandocha por causa da crise? Ahhhh, e antes ia, e o que pensa da crise e dos tabuleiros? Acho que se reflecte?
São João no Porto, um acontecimento nacional incrivel, mais um dos multiplos motivos que coloca a Invicta nos roteiros internacionais:
Ataques verbais dos jornalistas:
- Entao esta aqui para se divertir apesar da crise? E vai comer qualquer coisinha? Ahhh, então em vez de febras e sardinhas fica-se pela fartura? É a crise, certo? E come uma ou duas? Ah, pois que pesa no bolso, certo? A crise, pois. E sente muito? E a crise mesmo assim permite-lhe estar na fila das bifanas? Ahhh, vai comer bifanas!! Mas sente a crise, certo? E o senhor, o restaurante vendeu muitas sardinhas? A crise nao deixa não e?? Ah, pois a crise!
Uma festa MARAVILHOSA, toda a gente a dançar, a saltar, a rir, e o massacre das perguntas sempre a levar para baixo. Sempre a pôr o dedo na puta da ferida.
Que vergonha, meu deus.
Portagens na ponte 25 de Abril em Agosto:
- Ooh, então agora quanto é que vai pagar a mais para ir para praia? Oooh, acha bem? Então agora por causa da crise tem de desembolsar mais este dinheirito mas vai à praia mesmo assim? Oooh,, hummm, haaaaa, a crise instala-se, certo? O que acha deste aumento? Está de acordo? Pois sente nao sente, ahhh, é a crise.
O que é feito da memória das gentes?
Do tempo em que a praia era um luxo de ricos e férias grandes era uma excentricidade só permitida aos meninos e às meninas que estudavam? O que, depois da escolaridade obrigatória, 4ª classe, excluia quase toda a gente. Já se esqueceram que lancheiras para a praia, levava toda a gente? Perguntem aos pais ou aos avós. E não fazia mal nenhum comer pão com marmelada ou queijo em vez de bolicaus e outras porcarias. Ir ao restaurante, era uma raridade. Há muito tempo? Bom, há quarenta anos atrás ainda não e Parque Jurássico.
Será que estão a brincar connosco ou é mesmo institucional esta deprimente falta de horizontes?
Que vergonha meu deus.
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segunda-feira, julho 04, 2011
Apoiando o PAN
Fi-lo durante as últimas eleições legislativas e foi a primeira vez que apoiei um partido político. Os motivos aqui vão, no link da página. Para que conste e porque este é um compromisso de corpo e alma que não se esgota em campanhas e calendários eleitorais.
http://www.partidoanimaisnatureza.com/partido-pelos-animais-e-pela-natureza/250-manuela-gonzaga-apoia
http://www.partidoanimaisnatureza.com/partido-pelos-animais-e-pela-natureza/250-manuela-gonzaga-apoia
Do Amor
II
conheço a tua ausência, os meus passos cegos, a lua triste
e as manhãs escavadas no labirinto
do pensamento em círculos a desenterrar as mesmas memórias
sobressaltadas, incandescentes
e ferozes
e a compô-las como uma manta de retalhos absurdos
para me esconder do frio e da fome
de ti
conheço a tua ausência, os meus passos cegos, a lua triste
e as manhãs escavadas no labirinto
do pensamento em círculos a desenterrar as mesmas memórias
sobressaltadas, incandescentes
e ferozes
e a compô-las como uma manta de retalhos absurdos
para me esconder do frio e da fome
de ti
quarta-feira, junho 29, 2011
Do amor
I
Do amor conheço folhas, flores e frutos. E o cheiro das raízes que abraçam a terra. Do amor conheço a morte branda e a noite escura, a das secas lágrimas. Do amor conheço o fogo forte e o fogo fátuo. Falta-me, porém, encontrar o nada que é tudo.
Minha irmã loba, minha irmã morena, estareis comigo quando vos chamar?
Do amor conheço folhas, flores e frutos. E o cheiro das raízes que abraçam a terra. Do amor conheço a morte branda e a noite escura, a das secas lágrimas. Do amor conheço o fogo forte e o fogo fátuo. Falta-me, porém, encontrar o nada que é tudo.
Minha irmã loba, minha irmã morena, estareis comigo quando vos chamar?
sábado, junho 25, 2011
O grito da Floresta
Há uns anos, em Glastonbury, conheci um druida que curava árvores, gente da tribo dos Tree Huggers e dormi quase um mês no primeiro andar de uma moradia de contos de fadas, rodeada por um jardim lindíssimo. O «meu» quarto tinha vista para o monte Tor de Avalon, onde a Mozzaic, de regresso ao futuro, passou um período muito imporante da sua vida actual.
E eu... estava em casa.
Exausta, após alguns anos de intenso trabalho muito mental, sonhava com todas as declinações do verde, os pés nus numa terra escura e fresca. Não planei viagem alguma, até que, quase de um dia para o outro, dei por mim no avião rumo ao único lugar no mundo onde, naquela altura, deveria estar. Na verdade, considero um milagre a forma como tudo se desenrolou para me permitir andar quase dois meses, entre Inglaterra e a Escócia, junto de pessoas que amo e rodeada de árvores o tempo todo. Árvores muito antigas, daquelas que apetece mesmo abraçar com o corpo todo.
A minha história de amor com as árvores vem do fundo da memória, do outro lado do tempo. Nem eu própria a conheço. Recorrentemente encontro-a, essa Árvore de que falo na minha crónica «Tempo dos Milagres» no nosso Boas Notícias.
E eu... estava em casa.
Exausta, após alguns anos de intenso trabalho muito mental, sonhava com todas as declinações do verde, os pés nus numa terra escura e fresca. Não planei viagem alguma, até que, quase de um dia para o outro, dei por mim no avião rumo ao único lugar no mundo onde, naquela altura, deveria estar. Na verdade, considero um milagre a forma como tudo se desenrolou para me permitir andar quase dois meses, entre Inglaterra e a Escócia, junto de pessoas que amo e rodeada de árvores o tempo todo. Árvores muito antigas, daquelas que apetece mesmo abraçar com o corpo todo.
A minha história de amor com as árvores vem do fundo da memória, do outro lado do tempo. Nem eu própria a conheço. Recorrentemente encontro-a, essa Árvore de que falo na minha crónica «Tempo dos Milagres» no nosso Boas Notícias.
quarta-feira, junho 15, 2011
Voltar da Terra e pôr os pés no chão
O encanto dos jardim público. A vantagem da sua proximidade. A saudade da terra brava nos campos mais belos do mundo. Os nossos. Mas e para que conste, as imagens têm umas semanas e foram caçadas durante o breve milagre azul dos jacarandás. A pedido do Rui, por ora em trânsito algures nas terras onde o Amazonas «corre em Trás-os-Montes» para desaguar no Tejo. Portugal no coração, nosso fado tropical.
sexta-feira, junho 10, 2011
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